⛺️ Marco temporal de terras indígenas: você sabe o que é?
O marco temporal para terras indígenas tem causado disputas nos 3 Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) nos últimos anos, levantando argumentos contrários (de ambientalistas) e a favor (de ruralistas).
▶️ O que é o marco temporal para terras indígenas? Basicamente, o marco temporal para terras indígenas define que só podem ser demarcadas as terras que já estavam ocupadas no momento de promulgação da Constituição de 1988. Ou seja, definir um marco no tempo para demarcar as terras indígenas é limitar a possibilidade de demarcar, atualmente, novas terras. Para saber mais detalhes relevantes, leia o restante desta reportagem.
📍 O status atual dessa história: o Congresso implementou o marco temporal para terras indígenas. Virou lei. Isso porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou, mas o Congresso derrubou o veto. No Judiciário, a questão pode ser analisada novamente. É por lá que há esperança de ambientalistas em reverter a decisão do Congresso, caso o STF (Supremo Tribunal Federal) entenda ser inconstitucional a tese do marco temporal. Do contrário, essa batalha dos ambientalistas estará perdida.
Eis as disputas em diversos Poderes:
- Executivo. O Congresso derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à proposta de marco temporal para terras indígenas, que havia sido aprovada no Congresso. Lula sancionou apenas alguns trechos de interesses indígenas, como a previsão de que o processo de demarcação seja público e amplamente conhecido, por exemplo. Eis a manifestação do governo federal em DOU (Diário Oficial da União).
- A demarcação de terras indígenas opõe as políticas do presidente dele, que criou neste ano (2023) o Ministério dos Povos Indígenas, e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que disse durante seu governo (até em discurso na ONU [Organização das Nações Unidas]) que uma revisão do marco temporal teria consequências “quase catastróficas” para o país.
- Legislativo. O Senado aprovou (no dia 27 de setembro de 2023) o PL (projeto de lei) –nº 470/2007– que restringe a demarcação. O texto estava na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e, depois, seguiria para o plenário (onde seria submetido à votação dos senadores). No entanto, os congressistas aprovaram a proposta e deram tramitação acelerada, em regime de urgência. No mesmo dia votaram em plenário, aprovando-a.
- Essa aprovação ocorreu poucos dias depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitar a tese do marco temporal para terras indígenas.
- No dia 23 de agosto de 2023, o texto que limita a demarcação de terras indígenas foi aprovado na CRA (Comissão de Agricultura e Reforma Agrária).
- Na Câmara, o projeto foi aprovado no dia 30 de maio de 2023. Tramitou em regime de urgência a partir do dia 24 de maio de 2023.
- No Senado, inicialmente, a matéria não ganhou tramitação urgente. Isso mudou logo depois de o STF analisar a questão. Na CRA (Comissão de Agricultura e Reforma Agrária) do Senado, a relatora do texto, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), foi a favor do marco temporal.
- A ONG ambiental Observatório do Clima reclamou que a proposta “não passou pelas comissões de Assuntos Sociais (CAS), do Meio Ambiente (CMA) e dos Direitos Humanos (CDH)”. Mais de 300 entidades da sociedade civil assinaram um manifesto contrário à aprovação da proposta. O Correio Sabiá recebeu o documento e disponibilizou na íntegra (PDF) por este link.
- Judiciário. Por 9 a 2, o STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou a tese do marco temporal. O julgamento foi concluído no dia 21 de setembro de 2023. Eis como votaram os ministros, de acordo com a ordem de votação:
- Edson Fachin: contra a tese (a favor dos interesses indígenas) 🚫
- Alexandre de Moraes: contra a tese 🚫
- Kassio Nunes Marques: a favor da tese ☑️
- André Mendonça: a favor da tese ☑️
- Cristiano Zanin: contra a tese 🚫
- Luís Roberto Barroso: contra a tese 🚫
- Dias Toffoli: contra a tese 🚫
- Luiz Fux: contra a tese 🚫
- Cármen Lúcia: contra a tese 🚫
- Gilmar Mendes: contra a tese 🚫
- Rosa Weber: contra a tese 🚫
Esta reportagem foi publicada originalmente no dia 30.mai.2023, às 00h07, mas tem atualizações permanentes a cada novidade do marco temporal
O que é o marco temporal de terras indígenas?
Como o próprio nome diz, o marco temporal é um marco no tempo. No caso do marco temporal para demarcação de terras indígenas, trata-se da tese de que só podem ser demarcadas as terras ocupadas até a promulgação da Constituição de 1988, dia 5 de outubro daquele ano. Ou seja, depois desse “marco temporal” não poderia haver demarcação de novas terras. É por esse motivo que a tese do marco temporal agrada aos ruralistas, de maneira geral.
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No entanto, o STF tem um julgamento em curso que abre a possibilidade de revisar o marco temporal. A revisão do marco temporal desagrada aos ruralistas, porque abre brecha para que novas terras sejam demarcadas como território indígena.
Pessoas a favor da revisão do marco temporal argumentam que a Constituição de 1988 assegura aos povos indígenas o direito de demarcação de terras. Ou seja, é garantido a eles o “direito originário”, que permite a ocupação de terras ancestrais.
Basicamente, há duas teses distintas: 1) a tese do “marco temporal”, segundo a qual está limitada a demarcação de novas terras indígenas a partir da promulgação da Constituição de 1988; e 2) a tese do “direito originário”, segundo a qual os povos indígenas têm o direito de ocupar terras ancestrais garantido pela Constituição de 1988. São essas as duas teses que estão em discussão e norteiam o debate.
O Congresso, com ampla formação ruralista, tende a tentar limitar a demarcação de novas terras indígenas. No entanto, a formação do STF (Corte que deve ser a guardiã da Constituição) tende a entender que a própria Constituição garante o direito de ocupação de terras ancestrais.
Tangencialmente, o debate político toca na conservação ambiental. Quando se fala em marco temporal de terras indígenas, fala-se que os índios podem ser considerados “guardiões da floresta”. Esses territórios costumam ser menos desmatados.
Como mencionamos acima, o caso é antigo. Tanto é assim que o Correio Sabiá explicou no Instagram (@correiosabia), ponto a ponto, o que é a demarcação de terras indígenas por meio do marco temporal. O post foi publicado no dia 12 de setembro de 2021.
Entenda abaixo, ponto a ponto, a tese do marco temporal para terras indígenas
1º) A tese do “marco temporal” é defendida por ruralistas. Ela define que só podem ser demarcadas como indígenas as terras já ocupadas (ou disputadas) até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
2º) O então presidente Jair Bolsonaro (àquela altura sem partido) também defendia essa tese. Ele falou que, se o marco temporal fosse revisto, “teremos aumento da inflação, escassez de alimentos, fazendas sendo simplesmente destruídas por reservas ou outras, por serem deslindadas por reservas, não poderão mais ser produtivas”.
3º) Por outro lado, a Constituição de 1988 assegura aos povos indígenas o direito de demarcação de terras. Ou seja, é garantido a eles o “direito originário”, que permite a ocupação de terras ancestrais.
4º) É nesse contexto que indígenas acamparam e se manifestam por semanas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), em 2021. Fizeram pressão pelo julgamento no STF (ora interrompido).
5º) O caso dura desde 2013, no mínimo. Na ocasião, o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) aceitou a tese do marco temporal, após pedido do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina, antiga Fatma (Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente).
6º) O caso é considerado “bizarro” por alguns ambientalistas com os quais o Correio Sabiá conversou à época, porque o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (antiga Fatma) fez o contrário do que era de se esperar de um órgão ambiental: pediu para que fosse negado o reconhecimento de uma terra indígena. Órgãos ambientais costumam ser mais inclinados à demarcação de terras, até porque são territórios que costumam ter melhores índices de preservação.
7º) No entanto, a Fatma pediu que fosse negado reconhecimento da Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ, onde vivem os povos guaranis, xokleng e kaingang. Pediu reintegração de posse para o governo de Santa Catarina.
- O TRF-4 concordou, e a Funai (então chamada Fundação Nacional do Índio) recorreu. Isso tudo láaaa atrás (lembre: o caso dura desde 2013). Por fim, a situação chegou ao STF.
8º) O negócio é que o entendimento do STF nesse caso específico será aplicado para diversos outros casos de demarcação de terras indígenas. O Brasil tem hoje cerca de 421 terras indígenas homologadas, onde vivem cerca de 466 mil índios. No entanto, há outras 303 terras indígenas que ainda não conseguiram a homologação. Nelas, vivem cerca de 197 mil indígenas.
PL 490/2007: texto trata do marco temporal de terras indígenas
O PL 490/2007, que trata do marco temporal de terras indígenas, transfere do Poder Executivo para o Legislativo a tarefa de demarcar terras indígenas. O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 30 de maio de 2023. Agora, resta análise do Senado, onde não teve tramitação em regime de urgência.
Respeitado repórter investigativo que atua na Agência Pública, o jornalista Rubens Valente destacou na sua conta no Twitter que o PL 490/2007 “ressuscita” uma ideia de “emancipação” que foi elaborada na época da ditadura brasileira. Isso porque o texto prevê que uma terra indígena já demarcada poderá deixar de ser terra indígena demarcada se tiver uma “alteração” de “traços culturais” naquela comunidade.
A ONG Observatório do Clima divulgou uma nota no dia 30 de maio de 2023, após a Câmara aprovar o projeto do marco temporal para terras indígenas. Eis um trecho (abaixo, em itálico):
“O PL 490 viola a Carta Magna em vários aspectos: um dos mais graves é fixar a infâmia do “marco temporal”, tese segundo a qual indígenas que não estivessem produzindo em suas terras em 5 de outubro de 1988 perdem automaticamente o direito a elas. Também prevê contestações às demarcações em qualquer momento do processo e retoma uma proposta que nem a ditadura militar aprovou, a da devolução de terras indígenas à União em caso de “alteração de traços culturais da comunidade”, um dispositivo racista que pode levar à remoção forçada de povos de seus territórios.”
“Sanciona-se, assim, o esbulho de territórios tradicionais e a extinção de direitos originários, em nome de mentiras como “muita terra para pouco índio” e a necessidade de “pacificação” do campo — aliás, o mesmo argumento falso usado pela bancada ruralista para destroçar o Código Florestal, em 2012.”
No Twitter, a hashtag #MarcoTemporalNão ficou entre os assuntos mais comentados no dia 30 de maio de 2023, data em que a Câmara marcou a votação da proposta.
Quando o marco temporal para terras indígenas foi aprovado na CRA do Senado, o Observatório do Clima publicou outra nota. Desta vez, chamando o texto de “PL do Genocídio” e dizendo que o texto “não apenas impede novas demarcações de terras indígenas, como permite desfazer demarcações já homologadas”. A ONG disse que o PL “flexibiliza todo o uso das terras indígenas e inviabiliza, na prática, as demarcações.” Eis um trecho:
“Ele [PL] permite contestar demarcações em qualquer momento do processo, decretar a suspeição de antropólogos no exercício de seu trabalho, arrendar terras indígenas, instalar nesses territórios atividades impactantes sem consulta prévia e até reverter homologações já feitas. O projeto permite à União retomar ‘reservas indígenas’ caso se verifique ‘alteração dos traços culturais’ da comunidade — um dispositivo racista que fede às teses de ‘integração do índio’ da ditadura militar. Além disso, o PL acaba com a política da Funai do não-contato com grupos isolados, permitindo que até mesmo empresas privadas e missionários evangélicos façam contato com esses povos.”
Lula x Bolsonaro: marco temporal para demarcação de terras indígenas opõe governos
O governo Lula homologou 6 novas terras indígenas, após cerca de 5 anos de paralisações na demarcação de terras. O mesmo governo Lula também criou uma pasta para a temática, o Ministério dos Povos Originários. Ainda colocou (pela 1ª vez na História) uma indígena (Joenia Wapichana) para presidir a Funai, que de Fundação Nacional do Índio passou a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas, em mais um sinal de prestígio a essas populações (o novo nome é considerado mais inclusivo a todos os povos).
Já Bolsonaro, quando ocupou a Presidência, manifestou-se diversas vezes sobre uma possível revisão do marco temporal para terras indígenas no STF –inclusive em discurso na ONU (Organização das Nações Unidas). Chegou até a afagar a Suprema Corte, com a qual teve diversos atritos. Eis algumas declarações:
“O mundo cresce 60 milhões de habitantes por ano. Estamos nos aproximando de 8 bilhões de habitantes. Não dá para plantar na Lua, Saturno, Marte… Não dá para criar boi no quintal de casa e plantar soja na cobertura do prédio. (…) Quando falei há pouco em fertilizantes, da crise, tive anteontem uma reunião com a Frente Parlamentar da Agricultura, com 60 deputados, senadores (…). Daqui a 15 dias vou apresentar possíveis soluções. Uma das soluções passa por buscar potássio na foz do Rio Madeira. Não é chegar lá com a picareta e ‘vamos lá’, sabemos disso, mas temos um problema sério: foi demarcado como terra indígena.
Como depois de 10 anos conseguimos autorização para construir o Linhão Manaus-Boa Vista para levar energia elétrica para lá. Qual o problema? Apesar da linha de transmissão passar ao lado da rodovia Manaus-Boa Vista, passava em reservas indígenas. (…) Como temos [problemas] em Mato Grosso: uma rodovia que passa por dentro de uma reserva indígena, 50km, e esses 50km não podem ser asfaltados. Decisão judicial. Então estamos desbordando: gastan… construindo e asfaltando 130km de uma rodovia para desbordar a reserva indígena.
“E agora o Supremo Tribunal Federal começou a votar um novo marco temporal. O ministro Fachin: favorável a um não marco temporal. Péssimo para o Brasil. Kassio Nunes [Marques] empatou. O Alexandre de Moraes pediu vista, mas se passar o novo marco temporal, nós hoje, que já temos uma área equivalente à região Sudeste demarcada por terra indígena, 14% do território nacional, teremos outra região Sudeste. E, pela localização geográfica das centenas de novas reservas, anula-se outra região Sudeste.
“Na ONU, falei por alto nisso. [Disseram:] ‘Não fala isso, não toque nisso, faça um discurso de estadista.’ Que estadista, porra!” Entre esses 7 embaixadores, não vou citar o país, um começou a falar grosso sobre a Amazônia. Eu perguntei: ‘Olha, qual é a energia do seu país? Qual a fonte? É fóssil!'” – 8.out.2021
“De acordo com a decisão que por ventura saia, não digo hoje, mas nos próximos dias do Supremo Tribunal Federal, [ministra] Tereza Cristina [Agricultura, Pecuária e Abastecimento], não sei o que faremos com o agronegócio (…). Teremos aumento da inflação, escassez de alimentos, fazendas sendo simplesmente destruídas por reservas ou outras, por serem deslindadas por reservas, não poderão mais ser produtivas. (…) Olha a responsabilidade do Supremo Tribunal Federal, que é importantíssimo para nós. Todos os Poderes são importantes.” – 2.set.2021
“A gente espera que o STF não reinterprete o marco temporal.” – 26.ago.2021
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