Por que iniciativas de restauração de corais podem ser um problema aos biomas, e não uma solução?
Conversamos com o Doutor em Oceanografia pela USP Miguel Mies
"Restauração é um negócio não funciona. Ainda não, pelo menos. Não tem tecnologia para isso, então é possível o impacto [negativo] até no recife. O recurso que poderia ir para outras práticas acaba indo para isso... É complicado."
Essa foi a declaração que o Doutor em Oceanografia pela USP (Universidade de São Paulo), Miguel Mies, deu ao Correio Sabiá no dia 28.jun.2024. Mies é professor da USP e coordenador do Projeto Coral Vivo.
A afirmação ocorreu em resposta a uma informação que o Correio Sabiá enviou a ele: o Hawaii lançou um processo de restauração de corais em larga escala. Eis projeto havaiano em 3 etapas:
- Identificar corais individuais com grande tolerância térmica e outras características de alto desempenho;
- Depois, usá-los para criar larvas de coral geneticamente resilientes;
- Por fim, soltar essas larvas resilientes nos recifes durante os períodos naturais de desova.
Soluções para proteger os recifes de corais
Em conversa anterior do Correio Sabiá com Mies no dia 2.mai.2024, quando ele nos deu uma entrevista, abordamos soluções para proteção dos recifes de corais. Eis as soluções apontadas pelo pesquisador:
"Esses são os 2 caminhos que eu batalharia hoje: 1) criação e melhoria das unidades de conservação e 2) educação ambiental e conscientização para a gente ter massa crítica global para combater esse problema."
Na sequência, na mesma ocasião da entrevista, Mies falou que existem outras iniciativas para preservar os recifes: 3) restauração de corais, 4) repovoamento e 5) "uma série de outras técnicas razoavelmente similares ou associadas a isso". ❗️ Mas há um problema: elas ainda não têm comprovação de eficácia.
"Só que essas técnicas ainda não se mostram efetivas em nada. Não houve até agora um único programa de restauração com sucesso. E se [o programa] não for bem feito pode até contribuir para impactos [negativos]. Atrapalhar, e não ajudar o recife. É um negócio que ainda não tem escala... Então são coisas complicadas ainda. É uma solução muito simples para um problema muito complexo."
Mies disse que o investimento em práticas de restauração é importante para avançar nesse campo de conhecimento, sempre fazendo ressalvas de que os testes devem ser feitos em ambiente controlado para evitar impactos negativos na natureza.
"A gente sempre tem que continuar investindo nessas diferentes e possíveis soluções, mesmo que elas não funcionem ainda. Investir nelas é relevante porque a gente pode uma hora compreender uma coisa que, aí sim, pode ter uma eficácia maior no ambiente. Mas é um cenário difícil."
Assista à entrevista de Miguel Mies ao Correio Sabiá, publicada no nosso canal do YouTube:
Contexto: eventos de branqueamento de corais
A busca por maneiras de preservar os recifes ocorre num momento em que cientistas se preocupam com diversos eventos de branqueamento de corais, um grave problema ambiental.
O branqueamento de corais é um sinal de que o coral está doente (explicação completa abaixo). Como os oceanos são responsáveis pela absorção de grande parte do carbono que liberamos, aquecem. É um dos efeitos do aumento da temperatura média do planeta.
Deixar os corais doentes é um grave problema para a biodiversidade, porque esses biomas abrigam cerca de 25% da vida marinha, embora cubram apenas 0,1% dos oceanos. Ou seja, uma quantidade riquíssima de espécies, que ficam ameaçadas.
O problema se estende ao ser humano, porque os oceanos são reguladores do clima do planeta, além de fonte de recursos (pesca, turismo, biocosméticos, etc.). Comprometer esses biomas afeta a economia global, o suprimento de proteína animal, entre outros fatores.
O que é branqueamento de corais?
Foi a 1ª pergunta que fizemos a Miguel Mies quando conversamos. Eis a resposta:
O coral é um animal e, dentro das suas células, o coral tem uma microalga. Essa microalga a gente chama de zooxantelas. É uma relação simbiótica, uma parceria. Os 2 ganham com essa relação. A zooxantela ganha o obrigo do coral e, como é um ser fotossintético, ela ganha CO2 –o coral respira, assim como nós, animais, ele respeita oxigênio (O2) e libera CO2, e o CO2 a zooxantela usa para fazer fotossíntese– e o coral ganha energia, porque a zooxantela ao fazer fotossíntese ela produz carbono em excesso. Esse excesso de carbono ela doa ao coral. Então ela alimenta o coral e ela pode doar até 100% da necessidade de carbono do coral. Então, é um tremendo bom negócio para os 2.
Agora, por que o branqueamento é um problema nessa relação? Porque quando está quente, as zooxantelas (quando elas estão passando por estresse térmico, no calor) começam a produzir substâncias que a gente chama de espécies reativas de oxigênio. São substâncias tóxicas para o coral. Então, o parceiro do coral começa a ficar venenoso para o coral. A resposta adaptativa do coral é mandar embora a zooxantela, então ele expulsa a zooxantela. E aí o que acontece é que a perda da zooxantela, que dá um tom amarronzado para o coral com a degradação dos pigmentos que dão a cor (o amarelo, o azulado, o que quer que seja do coral) é degradado pela espécie ativa de oxigênio. Então, o tecido do coral fica transparente, e aí o esqueleto branco dele, caucário, fica visível por debaixo dessa camada de tecido transparente.
Seria algo como se nós, seres humanos, de repente ficássemos com a pele e órgãos transparentes. Então, o coral branqueado está na UTI, mas está vivo ainda. O problema é que o branqueamento gera muita mortalidade, porque, sem as zooxantelas, o coral fica com um déficit energético muito grande. Falta comida, falta carbono para ele. Então, muitos corais morrem se o branqueamento for mais intenso. Esse é o fenômeno do branqueamento, essas são suas causas e suas consequências.
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