Arcabouço fiscal: entenda a regra

Regra proposta pelo governo e aprovada no Congresso virou lei e substituiu o teto de gastos em 2023

Arcabouço fiscal: entenda a regra
No dia 29.mar.2023, Lula recebeu Haddad no Palácio da Alvorada para tratar do novo arcabouço fiscal / Imagem: Ricardo Stuckert/PR
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*Texto originalmente publicado em 31.mar.2023, às 16h38.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou no dia 31 de agosto de 2023, com 2 vetos, o arcabouço fiscal (Lei Complementar 200/2023), que passou a ser o novo regime para as contas da União. Assim, substituiu a anterior regra do teto de gastos públicos.

▶️ O arcabouço fiscal é como se fosse uma “caixa de ferramentas”, um conjunto de medidas/mecanismos, com o qual os integrantes da equipe econômica vão trabalhar para controlar a dívida pública. O objetivo é que as despesas não cresçam mais do que as receitas.

O PLP 93/2023, forma sob a qual tramitou o arcabouço fiscal, foi aprovado definitivamente pela Câmara dos Deputados no dia 22 de agosto de 2023, depois de passar pelo Senado.

A tramitação foi longa. Primeiro, aprovação na Câmara. Em seguida, no Senado, onde teve alterações no texto original. Por isso, voltou à Câmara para que os deputados analisassem essas mudanças. (*Se não houvesse mudanças no Senado, não precisaria retornar à Câmara). 

Eis o histórico:

  • 31 de agosto de 2023: sanção presidencial, tornando o projeto de arcabouço fiscal na Lei Complementar 200/2023.
  • 22 de agosto de 2023: por 379 votos a favor e 64 contra, a Câmara aprova o texto-base do novo marco fiscal. Em seguida, conclui a aprovação definitiva da proposta.
  • 21 de junho de 2023: por 57 votos a favor e 17 contra, o Senado aprova o texto-base do arcabouço fiscal, com modificações em relação ao texto da Câmara. Em seguida, os senadores votam e rejeitam todos os 3 “destaques” apresentados (trechos votados separadamente e que fazem alterações no texto principal). Mais cedo, o arcabouço fiscal tinha sido aprovado na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos).
  • 23 de maio de 2023: por 372 votos a favor e apenas 108 contra, a Câmara aprova o texto-base da nova regra fiscal. A votação dos destaques ficou para o dia seguinte, 24 de maio de 2023, quando a votação foi concluída na Câmara.
  • 16 de maio de 2023: apresentação do relatório sobre a proposta de arcabouço fiscal pelo relator na Câmara, o deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA).
  • 18 de abril de 2023: entrega da proposta de arcabouço fiscal pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Curiosidade: O PL (Partido Liberal), partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, deu 30 votos a favor da proposta. Já o PSOL votou contra.


Desde a eleição de 2022, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fazia críticas à regra fiscal do “teto de gastos” (que limita o crescimento da maioria das despesas públicas à inflação). Por isso, sua equipe propôs uma nova regra.

Lula entregou a proposta de arcabouço fiscal no dia 18 de abril de 2023 ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) participaram do encontro.

Deputado federal e relator do projeto, Claudio Cajado (PP-BA) apresentou seu relatório no dia 16 de maio de 2023. O arcabouço fiscal passou a ser chamado de Regime Fiscal Sustentável.

  • Inicialmente, um ponto sensível do arcabouço fiscal foi a limitação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). No final, tanto o Fundeb quanto o FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal) ficaram fora da regra fiscal.
  • A proposta aprovada garante a valorização do salário mínimo e do Bolsa Família acima da inflação de cada ano.
  • Alguns detalhes da proposta de arcabouço fiscal foram apresentados pelo governo federal no dia 30 de março de 2023.
  • A Conorf (Consultoria de Orçamento) do Senado lançou no dia 11 de maio de 2023, uma quinta-feira, o texto “Novo Arcabouço Fiscal: Avaliação da proposta do Poder Executivo”. O documento analisa os principais pontos do PLP (projeto de lei complementar) 93/2023 enviado pelo governo federal à Câmara.
  • A Câmara também produziu um material que explica a proposta.

O que é arcabouço fiscal?

O arcabouço fiscal é um conjunto de regras propostas pelo governo federal em 2023 para controlar a dívida pública, garantindo também os investimentos sociais.

É como se fosse uma caixa de ferramentas com a qual a equipe econômica deste e dos próximos governos terá que trabalhar para fechar as contas no azul, mas sem abrir mão das pautas sociais.

Eis o vídeo da coletiva de imprensa com anúncio de detalhes da proposta do arcabouço fiscal, com imagens da TV Brasil:

Para que serve o arcabouço fiscal?

Ao mesmo tempo em que substitui o teto de gastos para permitir investimentos-chave pelo governo, o arcabouço fiscal procura limitar o gasto descontrolado do governo.

Ou seja, o “conjunto de ferramentas” do arcabouço fiscal deve controlar a dívida pública ao mesmo tempo em que permite investimento social para as camadas mais necessitadas da população.

O arcabouço fiscal também pretende garantir confiança a investidores, à medida em que estabelece o compromisso de obedecer a regras que asseguram o controle das contas públicas. Com isso, os juros e a inflação tendem a cair.

Em resumo, o governo federal argumenta que o arcabouço fiscal é necessário para:

  1. Controlar as contas públicas (dando confiança a investidores de que essas contas estão mesmo sob controle).
  2. Zerar o déficit público (ou seja, inverter uma lógica de fechamento das contas públicos sempre com prejuízo).
  3. Garantir investimentos em obras prioritárias e programas sociais, tais como o Minhas Casa, Minha Vida, a valorização do salário mínimo, etc.
  4. Aumentar a arrecadação.
  5. Atrair investimentos (ao assegurar a investidores que o país é um ambiente seguro, sendo fiscalmente responsável e dando estabilidade e previsibilidade).

Tramitação do arcabouço fiscal na Câmara

A proposta de arcabouço fiscal do governo federal começou a tramitar pela Câmara, onde os deputados endureceram as regras. Retiraram um espaço de R$ 32 bilhões a R$ 40 bilhões do Orçamento que o governo pretendia usar para obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), tornando necessária a negociação do governo para abrir esse espaço pela proposta de LOA (Lei Orçamentária Anual).

Os deputados ainda proibiram o governo de reajustar salários de servidores públicos em caso de descumprimento da regra fiscal. Também proibiram a realização de novos concursos públicos, salvo para repor cargos em vacância.

Já a política de valorização do salário mínimo acima da inflação foi preservada. O mesmo ocorreu para a valorização do Bolsa Família. Eram desejos do governo Lula nas negociações.

Como funciona o arcabouço fiscal?

Para substituir o teto de gastos, mas ao mesmo tempo garantir compromisso fiscal (zerando a dívida pública) e fazer investimentos sociais, o arcabouço fiscal define uma série de regras. Afinal, como fazer investimentos, mas controlar a dívida? De acordo com a proposta feita pelo governo federal, isso se daria da seguinte maneira:

Os gastos (ou seja, as despesassó podem aumentar 70% do que aumentou de receita primária nos 12 meses anteriores. Receita primária, segundo o governo federal, é aquilo que o governo arrecadou de impostos, taxas, contribuições e aluguéis, por exemplo. Basicamente, impostos e transferências. Exemplo: se ao final de 1 ano (12 meses) o governo arrecadar R$ 1 bilhão, poderá gastar R$ 700 milhões (que é 70% de R$ 1 bilhão).

Metas para o resultado primário (tudo o que o governo arrecadou, menos o que gastou, sem considerar o pagamento de juros da dívida). Assim, o governo pretende aumentar as despesas primárias entre 0,6%, no mínimo, e 2,5%, no máximo. Despesas primárias, segundo o governo federal, são gastos do governo para garantir serviços públicos à sociedade, manter as atividades governamentais (gastos com pessoal, por exemplo) e realizar investimentos.

Ou seja, num momento da economia de baixo crescimento, o governo continua garantindo um piso de investimento de 0,6% (e não o corte absoluto das despesas), ao mesmo tempo em que promete não gastar muito num momento de bonança, sob o limite de 2,5%.

“Você faz um colchão na fase boa para poder usar na fase ruim e não deixar que o Estado se desorganize. Você dá segurança, não só para o empresário que quer investir, mas para famílias que precisam do apoio do Estado em serviços essenciais”Fernando Haddad, Ministro da Fazenda

Basicamente, o dispositivo do arcabouço fiscal do governo Lula 2023 tem o que se chama de caráter “anticíclico”. Isso quer dizer que o arcabouço fiscal não deve considerar períodos de baixa na economia para cortar gastos nem elevar os gastos no período de alta da atividade econômica. Ou seja, o arcabouço fiscal deve mirar uma estabilidade fiscal, fugindo das oscilações econômicas de altas e baixas.

O estabelecimento de um arcabouço fiscal também é de interesse do mercado financeiro, porque tende a dar estabilidade e previsibilidade para a economia brasileira e para as políticas econômicas. São fatores desejados pelos investidores, porque transmitem segurança. Por sua vez, essa segurança dá mais confiança ao país, com potencial de atrair investimentos internos e externos.

Tanto é assim que, no dia seguinte à apresentação do arcabouço fiscal, o mercado financeiro reagiu positivamente: o Ibovespa subiu, e o dólar caiu.

“Agora esperamos a evolução de um debate político natural do processo legislativo, em que a concepção inicial do Poder Executivo pode eventualmente sofrer algum tipo de alteração ao longo do tempo. Mas há de nossa parte, de todos os líderes do Senado, inclusive da oposição, um compromisso absoluto com uma pauta que é fundamental para o Brasil, que é a disciplina e o equilíbrio fiscal em substituição ao teto de gastos”, disse Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no dia 30 de março de 2023.

Metas do arcabouço fiscal para 2024, 2025 e 2026

Eis abaixo as metas do governo federal com a proposta de arcabouço fiscal:

  • 2024: zerar o déficit fiscal;
  • 2025: passar a ter superávit primário (é quando o resultado primário é positivo, ou seja, quando a subtração de receitas e despesas dá saldo positivo, sem considerar o pagamento de juros da dívida) de 0,5%;
  • 2026: chegar a superávit primário de 1%.

O que é a regra do teto de gastos?

A regra do teto de gastos foi definida pela Emenda Constitucional n.º 95/2016, que também ficou conhecida como a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos. Essa emenda instituiu o que se chama de Novo Regime Fiscal.

A função principal do teto de gastos é impedir o descontrole das contas públicas. Esse mecanismo impede que a maioria das despesas públicas cresça acima da inflação do ano anterior. No entanto, há exceções à regra. Os gastos públicos com a educação básica não se enquadram na regra do teto de gastos.

O teto de gastos é uma das 3 regras fiscais que o governo federal precisa obedecer. Além dele, o Poder Executivo também precisa:

  1. Perseguir a meta de resultado primário, que pode ser superávit (resultado positivo) ou déficit (resultado negativo). (Sim, a partir do Orçamento enviado pelo governo federal e aprovado pelo Congresso, pode ser definida uma meta de resultado negativo. Assim, assume-se que o melhor cenário para as contas públicas de determinado ano é um prejuízo ‘X’).
  2. Obedecer à regra de ouro, que obriga o governo federal a pedir autorização ao Congresso Nacional para emitir títulos da dívida pública.

A meta de resultado primário é definida a cada ano na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) aprovada pelo Congresso. Já a regra de ouro está definida no Artigo 167 da Constituição Federal.

Relembre: início das negociações do arcabouço fiscal

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou no dia 17 de março de 2023 ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) uma versão da proposta de arcabouço fiscal.

Houve uma reunião naquele dia, no Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo, com participação de Lula, Haddad e das seguintes autoridades:

  • ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, vice-presidente da República Geraldo Alckmin;
  • ministro da Casa Civil, Rui Costa;
  • ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet; e
  • ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck.

O encontro começou às 15h e acabou por volta das 17h30, segundo informou a assessoria de imprensa do governo federal. Foi o último compromisso na agenda oficial de Lula naquele dia.

Inicialmente, a regra do arcabouço fiscal ficou apenas entre o governo federal. A ideia era que Lula pudesse viajar à China no final de março, do dia 26 ao 31, já com uma definição de como seria a proposta a ser levada ao Congresso. No entanto, a apresentação do texto ficou para depois da viagem de Lula à China.

Só que a viagem foi adiada porque Lula pegou uma pneumonia. E aí a proposta foi divulgada oficialmente no dia 29 de março, uma data em que Lula estaria no país asiático.

Lembrando: antes de tudo isso, no dia 15 de março de 2023, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), declarou que gostaria que Haddad apresentasse a proposta de arcabouço fiscal, em 1ª mão, ao Congresso Nacional (antes de fazer ampla divulgação do texto à sociedade).

A apresentação ao Congresso costuma evitar a exposição pública da divergência de ideias. Assim, evita atritos entre os Poderes Executivo e Legislativo. Isso ocorreu.

Um dia antes de conceder entrevista coletiva ao lado de outras autoridades do governo, Haddad mostrou o arcabouço fiscal aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Os líderes partidários também foram contemplados.


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