'Irresponsabilidade compartilhada', diz Gil Castello Branco de Petrópolis

'Irresponsabilidade compartilhada', diz Gil Castello Branco de Petrópolis
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O economista Gil Castello Branco comentou ao Sabiá sobre as enchentes em Petrópolis, que deixaram mais de 100 mortos / Foto: Divulgação
O economista Gil Castello Branco comentou ao Sabiá sobre as enchentes em Petrópolis, que deixaram mais de 100 mortos / Foto: Divulgação

As chuvas que atingiram na última 3ª feira (15.fev.2022) a cidade de Petrópolis (RJ), região serrana do estado do Rio de Janeiro, causaram uma tragédia. Até a publicação desta reportagem, havia ao menos 120 mortos e 116 desaparecidos. No noticiário, informações sobre a redução de recursos para a Defesa Civil, tanto em âmbito federal quanto municipal.

Para propor uma análise mais aprofundada sobre o desastre, o Correio Sabiá conversou com o economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, organização independente que acompanha os gastos públicos.

Dada a relevância do depoimento, o Correio Sabiá transcreve abaixo, na íntegra, o comentário feito por Gil Castello Branco na tarde desta 5ª feira (17.fev).

“O grande problema aí, no meu modo de entender, é uma irresponsabilidade compartilhada. Compartilhada entre a União, os estados e os municípios. Por quê? Porque alguém imagina que a prefeitura de Petrópolis –ou a prefeitura de Angra dos Reis, ou de Brumadinho… 

Alguém imagina que eles tenham lá, no quadro da prefeitura, geólogos e engenheiros capacitados para contenção de encostas? Pessoas que possam fazer projetos de dragagem nos principais rios das regiões que costumam encher… É claro que não. 

Então, o município sozinho não vai resolver esse problema, porque ele não tem quadros técnicos e também porque ele não tem recursos. Imagina quanto custa um projeto de contenção de uma encosta brutal daquelas como essas que despencam. 

O município sozinho não tem como fazer isso. O município tem culpa? Claro que tem. Foi o município que deixou as pessoas morarem lá nas encostas ou nas margens dos rios. Eles teriam que ter evitado, mas, politicamente, isso é algo que não é feito no Brasil. Então, as pessoas vão morando lá e tudo depois vê como é que fica. 

O Estado poderia ajudar? Claro que poderia. O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, se eu não me engano, ele tem uma empresa especializada nessa questão de contenção de encostas, desastres, etc. Tem uma empresa do estado para isso. Então, poderia prestar uma grande ajuda. 

A União podia ajudar? Sim, a União, claro que sim. A União tem, inclusive, projetos, quer dizer, ações. Gestão de riscos e desastres. E o que a União diz? A União diz que “o problema é que esses recursos nós encaminhamos quando há projetos”. Então, os municípios têm que encaminhar projetos. E aí nós caímos no problema. Os municípios têm pessoas capazes de elaborar projetos? Então, esse é o problema. 

É por isso que eu digo que, ao meu ver, é uma irresponsabilidade compartilhada entre União, estados e municípios. São tragédias previamente anunciadas.

Nós sabemos historicamente em que época que elas vão acontecer. Elas vão acontecer no verão. 

Nós sabemos exatamente também onde elas costumam acontecer com maior frequência: Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo, cidades ali de Belo Horizonte, cidades da Bahia. Isso tudo a gente já sabe.

O Ministério, inclusive, tinha um mapeamento dessas localidades de risco. Ele tinha um mapeamento disso. O Ministério, na época, era aquele Ministério de Integração Nacional. Enfim, agora deve ser o Desenvolvimento Regional, eu suponho, que tenha esse mapeamento.

Então, muito bem, as providências têm que ser tomadas, mas não são. 

E aí o que acontece nós sabemos também: é o enredo que a gente já até decorou. As tragédias acontecem, as pessoas morrem, as autoridades sobrevoam o local de risco, às vezes descem ali nos locais, prometem ajuda, prometem recursos emergenciais que nem sempre chegam, mas, enfim, aí tudo fica como está. 

E no verão próximo a gente vai assistir a novas tragédias. Ainda mais quando a gente sabe que esses eventos climáticos estão se intensificando em função de tudo o que está acontecendo no mundo e no Brasil também. Estão se intensificando em termos de frequência com que esses eventos ocorrem e intensidade.

Não é só um problema. “Ah, o governo federal não mandou dinheiro. A prefeitura não mandou…” Quer dizer, é um problema bastante grave, até porque também deveria haver um entrosamento muito grande entre União, estados e municípios, conforme eu estava conversando. 

Mas, para que houvesse esse entrosamento, que nem sempre há, porque aí politicamente o prefeito não se dá com o governador, o governador não se dá com o presidente da República, e tudo isso no Brasil funciona assim… Então, esse entrosamento muitas vezes não acontece. 

E aí, não acontecendo, ainda tem a questão da descontinuidade política, que é de um sujeito que é colocado lá para cuidar disso na prefeitura de Petrópolis. Daqui a pouco muda o prefeito, muda o cara que cuida disso, e tudo o que ele tinha aprendido o outro que entrou tem que aprender de novo. 

Mudou o cara que cuida disso no estado. Mudou o cara que cuida disso na União. E aí, cada vez mais, ao invés de haver um entrosamento, essas ações ficam dispersas.

E, dispersas, levam a isso que nós assistimos todo ano, porque, como eu disse, a prefeitura não consegue resolver esse problema sozinha de forma nenhuma, embora ela tenha parte do problema. 

O estado tem que dar apoio à prefeitura. A União tem que dar apoio ao estado e à prefeitura, e aí tem que ter projetos que cheguem na União para a União liberar dinheiro e pronto.

Fica esse jogo de empurra e tudo acontece como todo ano a gente percebe.”

Assobio: o conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do Correio Sabiá, que apenas abriu este espaço para o debate de ideias. Portanto, todo o material textual, bem como as informações e juízos de valor aqui contidos, são de inteira responsabilidade do(s) autor(es).


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