🐠 Por que o avanço do peixe-leão ameaça a biodiversidade e a pesca no litoral brasileiro?
*Esta reportagem foi publicada, originalmente, no dia 9 de março de 2023, às 15h24, mas recebeu atualizações para te manter bem-informada/o.
O avanço de um “peixe devorador” sobre o litoral brasileiro nos últimos anos tem preocupado pesquisadores. O peixe-leão é originário dos oceanos Índico e Pacífico, sendo um “invasor” no Oceano Atlântico, onde não tem predadores naturais. Por isso (e por outros motivos detalhados abaixo), tem se espalhado rapidamente e virou uma ameaça à biodiversidade marinha local.
Uma das atualizações desta reportagem, dia 13 de maio de 2023, foi justamente para mostrar que o peixe-leão foi encontrado no santuário marinho de Atol das Rocas em abril deste ano, conforme informações do próprio governo federal. Media 23 cm e estava a 1,2 metro de profundidade.
“Pelo fato de [o peixe-leão] ser invasor, a fauna local não reconhece ele como predador nem como presa, e isso dá uma vantagem competitiva muito grande para ele. E como é um animal voraz, o estômago dele dilata bastante (cabe bastante coisa), e eles comem qualquer animal que caiba na sua boca (peixes menores, lagostas, camarões, etc.)”, disse ao Correio Sabiá o oceanógrafo pela USP (Universidade de São Paulo) e Mestre em Biotecnologia Marinha pela UFF (Universidade Federal Fluminense), Rafael Menezes.
- Leia também: Só 1 a cada 3 brasileiros entende o impacto direto de suas ações aos oceanos, diz pesquisa
O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) diz que o peixe-leão “se alimenta de animais do mesmo tamanho e consegue comer mais de 20 peixes em uma hora. Além disso, se reproduz bastante: põe cerca de 30 mil ovos. Logo, ele ocupa o território de espécies nativas, diminuindo a população destas e reduzindo a quantidade de peixes em recifes. Por não ser um animal nativo do Brasil, não há predador natural para o peixe-leão aqui no Brasil, portanto, não há controle da população.”
Os primeiros registros do peixe-leão fora de seus oceanos originários ocorreram no Caribe, no final da década de 1980 e início dos anos 1990, a partir de solturas de aquários e até de um furacão que destruiu um grande aquário na Flórida (Estados Unidos). Desde então, a espécie se espalhou. Atualmente, é encontrada em diversos estados litorâneos do Nordeste do Brasil. Seu tamanho também aumenta, o que indica que vem ganhando terreno.
“Existem diversos estudos no Caribe que descrevem os impactos da invasão, que foi se expandindo ao longo do tempo por toda a região”, afirmou Menezes.
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Além de ameaçar o equilíbrio dos biomas brasileiros, o avanço do peixe-leão também pode prejudicar a pesca, de acordo com o oceanógrafo.
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O oceanógrafo afirmou que, no Brasil, os primeiros registros do peixe-leão foram em Arraial do Cabo, cidade na Região dos Lagos do estado do Rio de Janeiro, em 2014 e 2015. No entanto, segundo ele, esses registros foram “muito pontuais, e o comportamento dos animais era muito similar a animais adaptados a aquário”.
“Já conversei com a pessoa que capturou eles. Falou que mal se mexiam”, declarou. “E, como não haviam outros registros no Brasil, é provável que tenham sido soltos em Arraial”, disse.
Isso porque o peixe-leão, de acordo com Rafael Menezes:
“É uma espécie de interesse para aquários marinhos, porque é bonito e exuberante. Porém, fica grande, é venenoso e muito voraz, come muito, então as pessoas acabam desistindo de tê-los em aquários e aí resolvem soltar ‘na natureza'”
Rafael Menezes, oceanógrafo
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Características do peixe-leão e por que seu avanço é uma ameaça
Eis algumas características do peixe-leão:
- predador de outros peixes e invertebrados marinhos;
- tem 18 espinhos venenosos;
- não ataca humanos (só pode machucar se for “pisado”, como ocorre com ouriços).
Eis abaixo a explicação do oceanógrafo sobre as causas e os perigos do avanço do peixe-leão:
“Tem outros fatores biológicos que também colocam o peixe-leão num outro patamar de competitividade, mas para resumir o impacto dele:
“Desequilibra a cadeia alimentar dos recifes, alimentando-se de espécies que tem papéis ecológicos importantes como limpadores e controle das populações de algas. Isso foi amplamente registrado no Caribe.
“Uma boa parte dos pesquisadores não acreditava que ele iria chegar no Brasil da forma como chegou, pois como é um animal que vive em águas relativamente rasas e recifais (águas claras), a foz do rio Amazonas seria uma barreira natural pra ele (águas doces, turvas e com ecologia diferente do Caribe).
“Mas, conforme foi se estudando os recifes mais profundos na região do Amazonas, as hipóteses começaram a surgir e então as evidências, encontrando animais a profundidades maiores, onde a pluma do rio não tem tanta influência.
“Parece que ele está sendo encontrado em regiões estuarinas também, aumentando ainda mais o potencial dele de dispersão e de estrago. Muitas espécies marinhas usam os estuários e manguezais como berçários (locais protegidos, que grandes predadores não têm tanto acesso, e com muita oferta de comida dos rios). Muitas dessas espécies despertam interesse comercial para pesca.”
Outra preocupação relacionada ao peixe-leão é o fluxo das correntes marítimas no Brasil, que teoricamente facilita que a espécie se espalhe por todo o litoral brasileiro, “descendo” do Nordeste em direção ao Sul.
“De 2020 para cá, o peixe-leão está se dispersando rápido, e agora que chegou ao Rio Grande do Norte, as correntes e ventos vão acelerar a dispersão em direção ao Sul.”
“O limite norte que ele chegou no Atlântico foi devido a águas mais frias. Se nos basearmos nisso, ele pode até ter uma dificuldade para ultrapassar a região de ressurgência da Região dos Lagos [em Arraial do Cabo], mas provavelmente vai conseguir com o tempo, e aí deve se estender até o Uruguai.”
“E aí a gente entra num estado de alerta em cenário nacional, pois é mais uma ‘pressão’ no ecossistema marinho: mudanças climáticas (mar esquentando e mais algas) + sobrepesca + recifes costeiros sofrendo com aumento do nível do mar e poluição + um animal que come muito, se reproduz rápido e ninguém come, além de outros fatores.”
Potenciais soluções para o avanço do peixe-leão
Pensando em mostrar as potenciais soluções para esse problema, o Correio Sabiá enviou nesta quinta-feira (9.mar.2023), às 15h07, uma mensagem ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), principal órgão brasileiro de fiscalização ambiental. Pedimos resposta até a manhã desta sexta-feira (10.mar), mas o retorno veio bem antes, quase uma hora depois, às 16h15.
Fizemos as seguintes perguntas sobre o avanço do peixe-leão no litoral do Brasil:
- Esse caso está no radar do Ibama?
- O que o Ibama pretende fazer a respeito?
- Há medidas já tomadas sobre o caso?
- Se houver medidas e normas legais já elaboradas sobre o assunto, poderiam dizer exatamente quais (com links para o Diário Oficial da União)?
Publicamos abaixo, em itálico, na íntegra, a resposta do Ibama. Sempre publicamos íntegras porque acreditamos que dá transparência ao Jornalismo.
A invasão biológica é um tema complexo, que deve ser tratado por um conjunto de instituições conforme as competências de cada uma.
Peixe-leão (Lionfish) é o nome popular para os peixes marinhos do gênero Pterois spp.
A fim de enfrentar o problema provocado pela espécie, o Ibama vem adotando as seguintes medidas:
1 – Proibição da importação desses animais para qualquer finalidade;
2 – Edição da Portaria Ibama nº 102/2022 (Anexo III), que proíbe a importação de 05 espécies do gênero Pterois: Pterois antennata, Pterois miles, Pterois radiata, Pterois sphex e Pterois volitans;
3 – Criação, em 2022, de Grupo de Trabalho (GT) com as seguintes finalidades:
I – Formular proposta de ato normativo sobre manejo do peixe-leão, Pterois spp.;
II – Articular junto a órgãos de meio ambiente e a pesquisadores especialistas em espécies exóticas invasoras a produção de subsídios para trabalhos do GT;
III – Reunir informações e documentos técnicos sobre temas como biologia, dinâmica populacional e dados de pesca e comércio sobre a espécie; e
IV – Discutir plano de ação emergencial para enfrentamento da bioinvasão;
A Superintendência do Ibama no Ceará, que compõe o Grupo de Trabalho do Peixe-Leão no estado, participou da I Audiência Pública “O peixe-leão, perigo aos pescadores no litoral cearense (05/07/2022)”, realizou palestras e participou de mesa-redonda sobre o peixe-leão no IFCE/Acaraú. Um dos encaminhamentos do GT é a realização de um Workshop Nacional sobre a bioinvasão do peixe-leão, previsto para o primeiro semestre de 2023.
A Superintendência do Ibama no Rio Grande do Norte também vem participando de reuniões locais que discutem a problemática do peixe-leão no litoral do estado.
A literatura científica aponta que o início de uma invasão biológica é o momento mais favorável para o estabelecimento de programas de detecção e controle. Quanto maior a população da espécie invasora em águas nacionais, que cresce em grande velocidade na ausência de predadores naturais, mais complexas e custosas são as medidas de enfrentamento.
Avistamentos e demais informações sobre a presença do peixe-leão no Brasil podem ser encaminhados por meio do Sistema de Informação de Manejo de Fauna (Simaf), utilizado para registro de espécies exóticas invasoras no país.
O próprio oceanógrafo Rafael Menezes também comentou sobre potenciais soluções. Disse que, “infelizmente, acho que não tem como controlar muito a invasão dele [peixe-leão]”. Isso porque, segundo ele, “tentaram diversas coisas no Caribe, com pouco sucesso”.
No entanto, Menezes declarou que “uma ideia maneira que pode ser feita é um projeto de ciência cidadã com a comunidade de pesca e de mergulho, para ajudar a registrar as ocorrências e até treinamento para remoção segura do animal”.
Assobio: Atualizaremos esta reportagem sempre que necessário, seja para incluir o posicionamento do Ibama ou para acrescentar quaisquer informações relevantes sobre o assunto.
Se quiser se aprofundar sobre biodiversidade marinha, leia aqui) o balanço feito por especialistas sobre a Conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre Oceanos 2022.
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