Morre 'Pepe' Mujica, ex-presidente do Uruguai e ícone da esquerda latino-americana

Mujica morreu por complicações de um câncer. Sob seu governo, o Uruguai legalizou o aborto até a 12ª semana de gestação e regulamentou a produção e venda de maconha.

Morre 'Pepe' Mujica, ex-presidente do Uruguai e ícone da esquerda latino-americana
Lula e Mujica no fusca azul do ex-presidente do Uruguai, em 25 de janeiro de 2023, no Uruguai / Imagem: Ricardo Stuckert/PR
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Ícone da esquerda, o ex-presidente do Uruguai 🇺🇾 José "Pepe" Mujica morreu nesta terça-feira (13.mai.2025), aos 89 anos, em decorrência de complicações de um câncer de esôfago.

Em abril de 2024, Mujica foi diagnosticado com câncer e passou por tratamentos até junho daquele ano. Em janeiro de 2025, anunciou que estava com metástase hepática e optou por não seguir com tratamentos invasivos.

O ex-presidente uruguaio passou seus últimos dias em casa, cercado pela família e amigos próximos, até falecer poucos dias antes de completar 90 anos.

Símbolo da esquerda, ele foi um dos líderes mais carismáticos da política latino-americana contemporânea, conhecido pela integridade, pela simplicidade e pelo compromisso com a justiça social.

👤 Ficha de Pepe Mujica

Nome completo: José Alberto Mujica Cordano
Nascimento: 20 de maio de 1935, Montevidéu, Uruguai
Falecimento: 13 de maio de 2025, aos 89 anos
Profissão: Político, agricultor
Partido: Movimento de Participação Popular (MPP), dentro da Frente Ampla
Esposa: Lucía Topolansky
Religião: Ateu
Residência: Rincón del Cerro, Montevidéu

Mini biografia de Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai

Descendente de bascos e italianos, Pepe Mujica nasceu numa família de pequenos agricultores. Órfão de pai desde os 8 anos, começou a trabalhar cedo para ajudar a mãe nas finanças da casa. 

Iniciou sua militância política no Partido Nacional, mas logo migrou para movimentos de esquerda. Na década de 1960, foi um dos fundadores do Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros, grupo guerrilheiro de inspiração socialista que lutava contra a repressão e as desigualdades sociais no Uruguai.

Durante o regime militar uruguaia (que durou de 1973 a 1985), Mujica foi preso 4 vezes, num período total de aproximadamente 14 anos –muitos em condições extremas de isolamento e tortura. Com a redemocratização, optou por seguir a luta política pelas vias institucionais.

Após a anistia de 1985, Mujica fundou o MPP (Movimento de Participação Popular) dentro da coalizão Frente Ampla. Foi eleito deputado em 1994 e senador em 1999, tornando-se uma das principais lideranças da esquerda uruguaia. Em 2005, foi nomeado ministro da Agricultura no governo de Tabaré Vázquez, cargo que ocupou até 2008.

Mujica foi eleito presidente do Uruguai em 2009, assumindo o cargo em março de 2010. Presidiu o país até 2015. Seu governo ficou marcado por reformas progressistas e por um estilo de vida austero. Ele se recusou a morar no palácio presidencial e continuou a viver em seu sítio na periferia de Montevidéu, onde cultivava flores com a esposa.

Entre as principais realizações de Mujica em seu mandato como presidente, estão:

  • Legalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
  • Aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo e direito de adoção por casais homoafetivos.
  • Regulamentação da produção e venda de maconha, tornando o Uruguai pioneiro mundial na legalização da cannabis.
  • Priorizou políticas de redução da pobreza e da miséria, com objetivo de diminuir esses índices pela metade.
  • Defendeu pautas como educação, segurança, meio ambiente e energia.

Após deixar a presidência, Mujica foi eleito senador e permaneceu ativo politicamente até 2020, quando renunciou ao cargo citando questões pessoais e de saúde.

Até seus últimos dias, Mujica recebeu apoio e reconhecimento de líderes internacionais. Manteve relações próximas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e outros presidentes progressistas da América Latina.

Seu famoso Fusca azul tornou-se símbolo de sua vida modesta. Mujica recusou ofertas milionárias pelo carro, inclusive de um xeique árabe e do embaixador do México.

Ficou conhecido internacionalmente como “o presidente mais pobre do mundo” por causa do seu estilo de vida austero e da doação de parte significativa do salário para causas sociais.

Pioneirismo do Uruguai na regulamentação da produção e venda de maconha

Sob o governo de Pepe Mujica, o Uruguai tornou-se o 1º país do mundo a legalizar e regulamentar, em nível nacional, todas as etapas da cadeia da cannabis (cultivo, produção, distribuição, venda e consumo) sob controle estatal, por meio da Lei 19.172.

O modelo uruguaio é único porque o Estado supervisiona diretamente o mercado, desde a produção até a venda em farmácias, além de permitir o autocultivo e os clubes canábicos, sempre para cidadãos e residentes registrados.

E a Holanda 🇳🇱?

Para efeito de comparação, a Holanda é famosa por sua política de tolerância ao consumo de cannabis, vigente desde 1976, que permite a venda e o consumo em "coffee shops" sob regras específicas.

No entanto, a cannabis nunca foi totalmente legalizada na Holanda. A posse, o cultivo e a venda continuam tecnicamente ilegais, mas são tolerados em pequenas quantidades e em locais específicos, como os coffee shops.

O cultivo comercial e a cadeia de fornecimento sempre permaneceram ilegais, o que criou um mercado paralelo e problemas de segurança pública.

Só em dezembro de 2023 a Holanda iniciou um projeto-piloto para legalizar toda a cadeia de produção e fornecimento de cannabis. Mesmo assim, restrito a algumas cidades e ainda em caráter experimental.

Portanto, a Holanda ainda não legalizou nacionalmente a produção e comercialização da cannabis de forma plena, como fez o Uruguai em 2013.

Lula lamenta a morte de Mujica

Em viagem oficial à China, Lula comentou a morte de Mujica. Publicou o seguinte, em sua conta no X (antigo Twitter):

"Amanheci em Pequim com a triste notícia de que Pepe Mujica partiu hoje, nos deixando cheios de tristeza, mas também de muitos aprendizados. Sua vida foi um exemplo de que a luta política e a doçura podem andar juntas. E de que a coragem e a força podem vir acompanhadas da humildade e do desapego. 

Em seus quase 90 anos de vida, Mujica combateu fervorosamente a ditadura que um dia existiu em seu país. Defendeu, como poucos, a democracia. E nunca deixou de militar pela justiça social e o fim de todas as desigualdades. 

Sua grandeza humana ultrapassou as fronteiras do Uruguai e de seu mandato presidencial. A sabedoria de suas palavras formou um verdadeiro canto de unidade e fraternidade para a América Latina. E sua forma de compreender e explicar os desafios do mundo atual continuará guiando os movimentos sociais e políticos que buscam construir uma sociedade mais igualitária.

Que o amor que Mujica sempre distribuiu ao povo seja agora recebido de volta pela querida Lucía Topolansky e pelos seus familiares, amigos e companheiros. E que o conforto chegue logo aos seus corações."


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