Moraes defende papel do STF contra 'tentativas de coação' internas e externas
Corte iniciou julgamento do processo por suposta tentativa de golpe de Estado, no qual Bolsonaro é um dos reús

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), fez nesta terça-feira (2.set.2025) uma defesa da autonomia da Corte contra o que chamou de "tentativas de coação", tanto "internas" quanto "externas".
"Lamentavelmente, no curso dessa ação penal, se constatou a existência de condutas dolosas e conscientes de uma verdadeira organização criminosa, que de forma jamais vista anteriormente em nosso país passou a agir de maneira covarde e traiçoeira com a finalidade de tentar coagir o Poder Judiciário, em especial este Supremo Tribunal Federal, e submeter o funcionamento da Corte ao crivo de outro Estado estrangeiro", disse.
A declaração ocorreu em pronunciamento de pouco mais do que 9 minutos, realizado na abertura da sessão de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros réus por uma suposta tentativa de golpe de Estado.
"Essa coação, essa tentativa de obstrução, elas não afetarão a imparcialidade e a independência dos juízes deste Supremo Tribunal Federal, que darão, como estamos dando hoje, presidente, a normal sequência no devido processo legal, que é acompanhado por toda a sociedade e toda a imprensa brasileira –publicidade e transparência que não encontram paralelo em nenhuma corte do mundo", continuou o ministro.
Eis abaixo –em itálico, com destaques em negrito– a sequência do discurso:
Nenhuma corte ou tribunal do mundo dá tanta publicidade e tanta transparência aos seus julgamentos como o Supremo Tribunal Federal.
As instituições brasileiras são fortes e sólidas, e seus integrantes foram forjados no mais puro espírito democrático da Constituição de 1988.
Coragem institucional e defesa à soberania nacional fazem parte do universo republicano dos membros desta Suprema Corte, que não aceitará coações ou obstruções no exercício de sua missão constitucional, conferida soberanamente pelo povo brasileiro, por meio de sua Assembleia Nacional Constituinte.
A soberania nacional não pode, não deve e jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida, pois é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, expressamente previsto no inciso I do artigo I da Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal sempre será absolutamente inflexível na defesa da soberania nacional e em seu compromisso com a democracia, os direitos fundamentais, o Estado de Direito, a independência do Poder Judiciário Nacional e os princípios constitucionais brasileiros.
A independência judicial constitui um direito fundamental dos cidadãos, inclusive o direito a todos de uma tutela judicial efetiva e ao processo e julgamento por um tribunal independente e imparcial, pois não se consegue conceituar um verdadeiro Estado democrático de direito sem a existência de um Poder Judiciário autônomo para que exerça a sua função de guardião da Constituição e das leis.
É um princípio inflexível da Constituição brasileira a independência do Poder Judiciário em defesa do país. E a história deste Supremo Tribunal Federal demonstra que jamais faltou ou jamais faltará coragem aos seus membros para repudiar as agressões contra os inimigos da soberania nacional, da democracia, do Estado de Direito ou da independência do Poder Judiciário.
Esta Corte vem e continuará realizando sua missão constitucional e, em especial, nesse 2º semestre, realizará –e hoje iniciamos– o julgamento e as conclusões das importantes ações penais relacionadas à tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.
Sempre dentro do devido processo legal, do respeito à ampla defesa e contraditório, inadmitindo qualquer ingerência interna ou externa na independência do Poder Judiciário.
Estabilidade institucional não significa tranquilidade, volta a dizer Moraes
O ministro voltou a afirmar que os quase 40 anos desde a redemocratização, período de estabilidade institucional no Brasil, não significa necessariamente um período de "tranquilidade"–mas sim uma época histórica de resistência das instituições.
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"Presidente, antes de iniciar propriamente o relatório, acho importante esclarecer: nós chegamos hoje –o Brasil chega hoje–, em 2025, quase 37 anos da Constituição de 1988 e 40 anos da redemocratização, com uma democracia forte, as instituições independentes, uma economia em crescimento e a sociedade civil atuante."
Este foi o início do discurso de Moraes, que prosseguiu da seguinte forma:
"Obviamente, isso não significa que foram 37 anos de tranquilidade política, econômica ou social, mas significa, presidente, que as balizas definidas pela Constituição Federal para nosso Estado Democrático de Direito se mostraram acertadas e impediram inúmeros retrocessos.
"Estado Democrático de Direito, estabilidade institucional, que é exatamente o momento em que vivemos, não significa necessariamente tranquilidade ou ausência de conflitos, mas sim respeito à Constituição, aplicação da lei, com absoluto respeito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório."
Balanço das ações do 8 de janeiro de 2023
Ao continuar seu discurso, Moraes fez um balanço das ações penais do 8 de janeiro de 2023 ajuizadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República):
- 1.630 ações penais ajuizadas, sendo:
- 683 condenações;
- 554 acordos de não persecução penal;
- 382 ações em andamento; e
- 11 absolvições.
Eis abaixo, em itálico, a íntegra da declaração:
Esse julgamento que se inicia, do denominado 'núcleo crucial' pela Procuradoria Geral da República é mais um desdobramento do legítimo exercício pelo Supremo Tribunal Federal de sua competência penal conferida pelo legislador constituinte em 1988, em que pese, obviamente, à sua importância, segue exatamente o mesmo rito processual, o mesmo respeito ao devido processo legal que esse Supremo Tribunal Federal vem seguindo já nas 1.630 ações penais ajuizadas pela Procuradoria Geral da República, referentes à tentativa de golpe de Estado do dia 8 de janeiro de 2023, nas quais, nessas 1.630 ações penais, já ocorreram 683 condenações, 11 absolvições, 554 acordos de não persecução penal e ainda permanecem 382 ações em andamento.
Um país e, consequentemente, sua Suprema Corte, só tem a lamentar que, mais uma vez na História republicana brasileira –como esse Supremo Tribunal Federal já reconheceu em 683 condenações (e os próprios réus confessaram em outros 554 acordos de não persecução penal)–, se tenha novamente tentado um golpe de Estado, atentando-se contra as instituições e a própria democracia, pretendendo-se a instalação de um Estado de exceção e uma verdadeira ditadura.
A sociedade brasileira e as instituições mostraram sua força, mostraram sua resiliência. Em que pese a lamentável manutenção de uma nociva, radical e violenta polarização política com tristes reflexos, todos nós brasileiros e brasileiras devemos afastar com todas as nossas forças e empenho a tentativa de qualquer quebra da institucionalidade.
Recado para pedidos de anistia
Sem citar diretamente os pedidos de anistia feitos por políticos de oposição, Moraes declarou:
"Mas, presidente, nesses momentos a História nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação, pois o caminho aparentemente mais fácil –e só aparentemente–, que é da impunidade, que é da omissão, deixa cicatrizes traumáticas na sociedade e corrói a democracia, como lamentavelmente o passado recente do Brasil demonstra."
"A pacificação do país, que é o desejo de todos nós, depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições –não havendo possibilidade de se confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade e desrespeito à Constituição Federal e, mais, significa incentivo a novas tentativas de golpe de Estado."

Papel institucional e processo legal
O ministro ainda reforçou o respeito ao rito processual:
"A missão deste Supremo Tribunal Federal é analisar as acusações oferecidas pela Procuradoria Geral da República, a partir das provas produzidas, seguindo o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório, como foi verificado na presente ação penal e será detalhado no relatório."
"Existindo provas acima de qualquer dúvida razoável, as ações penais serão julgadas procedentes e os réus condenados. Havendo prova da inocência ou mesmo qualquer dúvida razoável sobre a culpabilidade dos réus, os réus serão absolvidos."
"Assim se faz a Justiça. Esse é o papel do Supremo Tribunal Federal, julgar com imparcialidade e aplicar a justiça a cada um dos casos concretos, independentemente de ameaças ou coações, ignorando pressões internas ou externas."
Author

Jornalista e empreendedor. Criador/CEO do Correio Sabiá. Emerging Media Leader (2020) pelo ICFJ. Cobriu a Presidência da República.
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