Mianmar: terremoto, governo e dificuldade de ter notícias locais

Campanha de desinformação com raiz no Facebook possibilitou um genocídio em Mianmar em 2017

Mianmar: terremoto, governo e dificuldade de ter notícias locais
Terremoto de magnitude 7,7 atingiu Mianmar e deixou mais de 1,7 mil pessoas mortas / Reprodução/X (antigo Twitter)
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No dia 28 de março de 2025, um terremoto de magnitude 7,7 na escala Richter (que não tem um limite definido, mas é convencionalmente graduada de 1 a 10) atingiu a região central de Mianmar 🇲🇲, próximo à cidade de Mandalay, causando mortes, destruição e afetando países vizinhos, especialmente a Tailândia 🇹🇭.​

  • O terremoto resultou em mais de 1.700 mortes, aproximadamente 3.400 feridos e mais de 300 desaparecidos. Infraestruturas críticas –aeroportos, pontes e rodovia– foram danificadas, dificultando os esforços de resgate e assistência humanitária.
  • Mianmar tem cerca de 55 milhões de habitantes, e o terremoto agrava a situação de caos provocado por uma guerra civil, decorrente do golpe militar em 2021 que depôs o governo democraticamente eleito de Aung San Suu Kyi, vencedora do Prêmio Nobel da Paz. 🕊️

Mianmar (ex-Birmânia) é um país que fica no Sudeste Asiático. Enfrentava uma transição democrática frágil após décadas de ditadura militar, que foi restabelecida depois de um golpe de Estado em 2021.

A minoria muçulmana rohingya, que vivia majoritariamente no estado de Rakhine, era alvo constante de perseguições. Foi alvo de genocídio, com apoio de uma ampla campanha de desinformação que ganhou tração no Facebook. (*Detalhes abaixo.)

Eis uma linha do tempo com eventos relevantes de Mianmar:

  1. 1948: Independência do Reino Unido 🇬🇧
  2. 1962: Golpe militar e início da ditadura
  3. 1988: Revolta popular reprimida com violência
  4. 1990: Suu Kyi vence eleições, mas militares ignoram o resultado
  5. 2011: Início da abertura democrática parcial
  6. 2015: Vitória de Suu Kyi; governo semi-civil assume
  7. 2017: Genocídio dos rohingya
  8. 2021: Novo golpe militar e retorno à ditadura

Como é o governo em Myanmar?

O governo de Myanmar é uma ditadura militar autoritária, marcada por repressão política, censura, prisões arbitrárias e violência contra civis –especialmente desde o golpe de Estado em 2021, quando alegou-se fraude nas eleições (sem provas) para derrubar o governo democraticamente eleito da líder Aung San Suu Kyi e do partido Liga Nacional para a Democracia (NLD). Desde então:

  • O país está sob controle do Conselho Administrativo do Estado, liderado pelo general Min Aung Hlaing.
  • Aung San Suu Kyi e diversos membros do governo civil foram presos e condenados a longas penas sob acusações forjadas.
  • Houve protestos massivos, duramente reprimidos –com milhares de mortos e presos.
  • Um movimento de resistência armada emergiu em diversas regiões, resultando numa guerra civil de baixa intensidade que ainda está em andamento.

De 2011 a 2021, Myanmar viveu um período de transição democrática, com um governo semi-civil, mas ainda sob forte influência militar, que mantiveram grande poder nos bastidores.

A Constituição de 2008 (redigida pelos próprios militares e ainda vigente) reservava 25% dos assentos no Parlamento aos militares, além de controlar pastas-chave como Defesa e Interior. O texto constitucional:

  • Impossibilita mudanças estruturais sem apoio militar.
  • Dá aos militares o direito de assumir o poder em momentos de "emergência nacional", o que foi usado como justificativa para o golpe de 2021.
  • Impede que qualquer pessoa com cônjuge ou filhos estrangeiros (como Suu Kyi) seja presidente.

Atualmente, Myanmar está entre os países mais repressivos do mundo:

  • Censura à imprensa e bloqueios de internet.
  • Prisões e tortura de jornalistas, ativistas e opositores.
  • Violência contra minorias étnicas (rohingya, kachin, chin, entre outros).
  • A ONU e ONGs internacionais denunciam crimes contra a humanidade e limpeza étnica.

Daí tanta dificuldade de obter notícias e informações confiáveis sobre Mianmar.


Como o Facebook e a desinformação provocaram um genocídio em Myanmar

A internet em Myanmar é praticamente sinônimo de Facebook. A empresa firmou acordos com operadoras locais para que o uso da plataforma fosse gratuito via "Facebook Free Basics".

Isso fez com que milhões de pessoas que nunca tinham usado internet acessassem a rede social como se fosse a internet, sem nenhum tipo de media literacy, ou seja, educação midiática.

A desinformação e o discurso de ódio viralizaram. O algoritmo do Facebook priorizava conteúdo que gerava engajamento, incluindo medo, ódio e teorias conspiratórias.

Militares e grupos extremistas budistas criaram perfis falsos, páginas e bots para espalhar desinformação sobre os rohingya, retratando-os como terroristas, estupradores e invasores.

O livro "A Máquina do Caos", do jornalista investigativo Max Fisher, retrata que até 2017, centenas de páginas estavam ativamente promovendo o ódio, e o Facebook levou anos para agir de forma significativa.

Uma campanha online preparou o terreno para o ataque militar de 2017, quando mais de 700 mil rohingyas foram expulsos para Bangladesh 🇧🇩 numa operação classificada pela ONU (Organização das Nações Unidas) como genocídio.

Postagens no Facebook diziam "vamos acabar com os rohingya de uma vez por todas", acompanhadas de imagens falsas ou manipuladas.

O Facebook não tinha moderadores suficientes que falassem birmanês ou entendessem o contexto local. Isso permitiu que o discurso de ódio ficasse ativo por meses ou anos sem ser removido.

Em 2018, um relatório independente encomendado pelo próprio Facebook concluiu que a plataforma "desempenhou um papel determinante" no que aconteceu em Mianmar. A ONU também acusou o Facebook de ter uma “responsabilidade direta” no genocídio dos rohingya.


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