Licenciamento ambiental: projeto que afrouxa regras avança no Congresso
Ambientalistas falam em retrocesso. Governo federal emitiu nota formal contrária à aprovação do texto.

O Senado aprovou nesta quarta-feira (21.mai.2025) –por 54 votos a favor e 13 contra– o PL (projeto de lei) que cria um novo marco para o licenciamento ambiental no Brasil. É a LGLA (Lei Geral do Licenciamento Ambiental).
- Saiba mais sobre a tramitação do PL 2.159/2021.
Na véspera (20.mai), o texto foi aprovado nas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária do Senado. Agora, resta nova análise da Câmara, onde passará por nova análise dos deputados, uma vez que os senadores alteraram o texto original.
O texto flexibiliza regras para empreendimentos com impactos sobre o meio ambiente. Ambientalistas falam em retrocesso.
O governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, publicou uma nota contrária à aprovação do projeto na mesma quarta-feira (21) em que o Senado chancelou o texto.
Anteriormente, no dia 14 de maio de 2025, o governo federal também havia se manifestado contrário o projeto de licenciamento ambiental. A bancada do PT votou toda contra.
Entre alguns dos pontos mais críticos, o projeto que afrouxa o licenciamento ambiental:
- Facilita a licença para algumas obras, como viadutos, pontes, hidrelétricas e barragens de rejeitos (exemplo: Brumadinho).
- Dispensa a licença para algumas obras, como a ampliação de estradas e atividades como a agricultura tradicional e a pecuária de pequeno porte.
- Cria a LAC (Licença por Adesão e Compromisso), uma espécie de licenciamento automático por autodeclaração, sem a realização de estudos por órgãos ambientais, mesmo para obras de médio porte e com potencial poluidor.
- Ou seja, não precisa de análise de órgão ambiental. Neste caso, o empreendedor só precisa se comprometer, na declaração, a respeitar as exigências de preservação estabelecidas em lei. (Ou seja, é só prometer que vai cumprir as regras que fica tudo certo).
Os legisladores ainda incluíram tópicos que foram pouco discutidos de última hora, perto da votação, em formato de emendas (trechos que modificam o texto original):
- Em alguns casos, acaba com a necessidade de autorização do Ibama para o desmatamento de trechos do Mata Atlântica, bioma que só tem 12% da sua cobertura original.
- Uma autorização para derrubada de árvore pode ser dada por governo estadual ou municipal, sendo que nem todos têm estrutura técnica para isso.
- Cria o LAE (Licenciamento Ambiental Especial), que permite que um conselho do governo federal aponte empreendimentos considerados estratégicos para serem liberados de forma mais simples e rápida, em até 1 ano, independentemente do risco de impacto ambiental ou uso de recursos naturais.
A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) falou nesta quinta-feira (22.mai) que não podemos retroceder "nem 1 centímetro" nas políticas ambientais e a política climática sofreu "um golpe de morte" com o afrouxamento do licenciamento.
Marina Silva também diz que o projeto compromete acordos feitos pelo Brasil com a União Europeia, além de afetar comunidades e potencialmente incentivar incêndios florestais.
O avanço do afrouxamento do licenciamento ambiental ocorre num momento em que o Brasil se aproxima de sediar a COP30 na Amazônia. A COP é o mais importante encontro global para discutir as mudanças climáticas.
Por outro lado, o projeto é apoiado pela bancada ruralista e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Defensores do PL dizem que as regras atuais para licenciamento ambiental são burocráticas, o que paralisa obras e empreendimentos no país.
Esses legisladores dizem que os processos atuais prejudicam o desenvolvimento econômico do país. Ao mesmo tempo, sustentam que o texto mantém a fiscalização ambiental.
Marina Silva argumenta que os empreendimentos não podem ser vistos de maneira isolada, já que podem atingir comunidades, lençóis freáticos e desencadear uma série de outras complicações.
A ONG Observatório do Clima divulgou um comentário após aprovação do projeto no Senado. A nota diz que o PL "desmonta as regras do licenciamento ambiental" e representa "o maior ataque à legislação ambiental das últimas 4 décadas, desde a Constituição Federal de 1988".
5 pontos problemáticos do novo marco do licenciamento ambiental
- Dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias: O projeto isenta várias atividades agropecuárias, como cultivo agrícola e pecuária extensiva, semi-intensiva e intensiva de pequeno porte, da necessidade de licenciamento ambiental. Basta uma autodeclaração para garantir a dispensa, o que, segundo ambientalistas, favorece práticas predatórias, enfraquece o controle estatal e pode aumentar conflitos fundiários e danos ambientais.
- Licença por LAC (Adesão e Compromisso) ampliada: A proposta generaliza a LAC, permitindo que empreendimentos de pequeno e médio porte (e potencial poluidor médio) obtenham licença apenas por autodeclaração, sem análise técnica prévia. Ambientalistas apontam que até 90% dos licenciamentos ambientais no Brasil poderão ser feitos de forma automática, incluindo setores como mineração e indústria, o que reduz drasticamente o rigor das avaliações ambientais.
- Desvinculação da outorga de uso da água: O texto permite que o licenciamento ambiental seja concedido mesmo sem a outorga prévia de uso da água, ou seja, sem a garantia de que o empreendimento pode explorar recursos hídricos legalmente. Especialistas alertam para o risco de agravamento da crise hídrica e de conflitos pelo uso da água, já que a análise ambiental pode ignorar a disponibilidade e os impactos sobre os recursos hídricos.
- Redução da proteção a territórios indígenas e quilombolas: O projeto determina que só terras indígenas homologadas e territórios quilombolas titulados serão considerados na análise ambiental. Isso exclui centenas de áreas em processo de reconhecimento, fragilizando a proteção de populações tradicionais e restringindo a participação dessas comunidades no processo de licenciamento.
- Descoordenação federativa e exclusão da crise climática: A proposta permite que estados e municípios definam, sem coordenação nacional (e sem capacidade técnica para tal tarefa), quais atividades precisam de licenciamento, o que pode gerar desorganização, insegurança jurídica e enfraquecimento da participação social. Além disso, o texto é omisso em relação à crise climática, não exigindo a consideração de impactos climáticos nos licenciamentos, o que é visto como um grave retrocesso diante dos desafios ambientais globais.
Reações do Observatório do Clima ao PL que afrouxa o licenciamento ambiental
Abaixo, reproduzimos na íntegra as declarações dos especialistas do Observatório do Clima sobre a aprovação no Senado do PL que afrouxa as regras do licenciamento ambiental.
“O Senado, liderado por David Alcolumbre, cravou nesta quarta-feira a implosão do licenciamento ambiental no país. O texto ainda irá à Câmara dos Deputados, mas no retorno à Casa iniciadora muito pouco pode ser feito para corrigir os seus inúmeros problemas e inconstitucionalidades. O licenciamento se transformará, na maioria dos processos, num apertar de botão, sem estudo ambiental e sem avaliação de impactos ambientais. Contribuíram para o resultado a visão arcaica e negacionista da bancada ruralista, a miopia de representantes do setor industrial que querem meio ambiente só na esfera discursiva e a lentidão e fraqueza do governo federal em suas reações no Legislativo. Lembraremos por muito tempo do dia em que se fragilizou completamente a principal ferramenta de prevenção de danos da Política Nacional do Meio Ambiente”, Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
“Dentre os diversos problemas do texto aprovado no Senado, o jabuti que altera a Lei da Mata Atlântica abre caminho para o desmatamento. Impacta justamente os 12% do que resta da cobertura original da Mata Atlântica, responsável por serviços ambientais essenciais, como a segurança hídrica, climática, a biodiversidade e o bem-estar da população. É uma distorção sem precedentes que leva o Brasil na contramão do Acordo de Paris e potencializa tragédias climáticas”, Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica.
“O resultado da votação do PL 2.159 é de terra arrasada. Todos os parâmetros técnicos e científicos que embasam o regramento ambiental atual foram desmontados. O Brasil está voltando ao padrão de desenvolvimento que criou exemplos como o de Cubatão, com gravíssimos danos à saúde pública, ao meio ambiente e até mesmo ao desenvolvimento econômico. Todos os posicionamentos apresentados em destaques pela sociedade civil baseavam-se na Constituição Federal, em acordos internacionais firmados pelo Brasil e na ciência. O que se anuncia a partir dessa votação é mais um desmonte de processos participativos da democracia a olhos vistos – também daqueles que foram eleitos para protegê-la”, Marcos Woortmann, diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).
"A Licença Ambiental Especial (LAE) dá um bypass perfeito para aprovar projetos polêmicos. Vai ser como uma rota alternativa que contorna o Ibama e seu corpo técnico. Enquanto analistas que têm o dever de Estado deixam de avaliar os riscos, a LAE faz valer a vontade de quem tem a caneta. Não se trata de agilidade, mas de um atalho perigoso, cujo resultado serão obras sem o crivo de quem entende de impactos reais, e o país pagando a conta em conflitos, degradação e desastres anunciados”, Mariana Mota, gerente política do Greenpeace Brasil.
“O falso discurso da segurança energética se consolida hoje com a lamentável aprovação do PL da devastação no Senado - em especial o Art. 10. Abre-se a principal porteira para acelerar a expansão do gás fóssil no Brasil com o licenciamento simplificado para térmicas a gás. O tempo urge pelos vetos presidenciais”, Renata Prata, coordenadora de advocacy e projetos do Instituto Arayara.
“O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, grande parte do plenário e das comissões de Agricultura e Meio Ambiente ignoraram completamente a mobilização popular, optando por interesses das grandes empresas. Desconsideraram a voz de milhares de pessoas que prezam pelo meio ambiente, pela vida e pela saúde da população. Ao aprovar o PL da Devastação, ignoraram aproximadamente 70 mil pessoas que enviaram seus e-mails, marcações no Instagram e o diálogo com dezenas de organizações que percorreram o Senado com argumentos técnicos em prol do meio ambiente”, Lucas Louback, gestor de campanhas e advocacy do NOSSAS.
O que é licenciamento ambiental e para que serve?
O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo obrigatório no Brasil, pelo qual órgãos ambientais autorizam a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos ou atividades que utilizam recursos naturais e que são efetiva ou potencialmente poluidoras, ou capazes de causar degradação ambiental.
O principal objetivo do licenciamento ambiental é prevenir, controlar e mitigar impactos negativos ao meio ambiente, promovendo o desenvolvimento sustentável e protegendo a saúde pública e a qualidade de vida das comunidades envolvidas.
A legislação brasileira estabelece que obras ou atividades que possam causar significativo impacto ambiental só podem ser realizadas mediante a obtenção das devidas licenças ambientais, que impõem condições, restrições e medidas de controle a serem seguidas pelo empreendedor.
O processo de licenciamento ambiental é regido pela Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e regulamentado pela Resolução CONAMA nº 237/1997.
Ele é dividido em 3 etapas principais:
- Licença Prévia (LP), concedida na fase de planejamento e que avalia a viabilidade ambiental do empreendimento;
- Licença de Instalação (LI), que autoriza a construção ou implantação da atividade após o cumprimento das exigências da LP; e
- Licença de Operação (LO), que permite o funcionamento do empreendimento, desde que todas as condicionantes técnicas e legais tenham sido atendidas.
Dependendo do porte e do potencial de impacto da atividade, podem ser exigidos estudos ambientais detalhados, como o EIA (Estudo de Impacto Ambiental) e o RIMA (Relatório de Impacto Ambiental), para embasar a decisão do órgão licenciador.
O licenciamento pode ser conduzido em âmbito federal, estadual ou municipal, conforme a abrangência dos impactos ambientais envolvidos.
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