Coral-sol: entenda o problema que causa uma espécie invasora no litoral brasileiro
Dispersão do coral-sol reforça a importância de buscar soluções preventivas e fortalecer a meta 30x30 para tornar os ambientes naturais mais resilientes
Coral-sol, uma espécie invasora
O mar cristalino de Arraial do Cabo –santuário marinho no estado do Rio de Janeiro (RJ)– tem um potencial problema para sua biodiversidade. O coral-sol, espécie invasora originária do Índico e do Pacífico, encontrou no litoral brasileiro as condições ideais para se multiplicar. A mergulhadora Maria Romana, que atua na região há 2 anos, descreveu o cenário:
“Cara, tem muito, muito, muito. Aqui é infestado de coral-sol. É uma praga. Veio com os navios e está super cheio. Em lugares em que já mergulhei, como São Paulo, Angra dos Reis e Paraty, tem até mutirão para tirar”, relatou.
O coral-sol tem um aspecto que remete ao próprio sol, como o nome dá a entender, mas também se parece com a flor girassol. O problema é que, apesar da beleza que exibe no mergulho, sua presença num ambiente em que não é nativo compete com as espécies locais por sua característica monopolista.
“Apesar da beleza dele lá embaixo –inclusive, no mergulho noturno é maravilhoso [por refletir a luminosidade]–, ele é predador. Vai dominando onde passa”, completou a mergulhadora.
Primeiro registro de coral-sol no Brasil e suas causas
Especialista em Ecologia Marinha, o professor e pesquisador Carlos Eduardo Leite Ferreira, conhecido como “Cadu", afirmou que os primeiros registros de coral-sol no Brasil foram nos anos 1980.
“O primeiro registro foi em 1984, em Angra dos Reis. Dali, a espécie se espalhou para todo o Sul, Sudeste e agora está chegando no Nordeste”, disse.
O pesquisador explicou que a instalação da espécie ocorreu principalmente pela Bacia de Campos, ponto de intensa atividade offshore, onde plataformas de petróleo recebiam manutenção e material de diferentes partes do mundo. Esse movimento facilitou o transporte de espécies incrustadas em cascos e estruturas submersas.
Com o tempo, o coral-sol ampliou sua distribuição. O professor observou que ele começou em ambientes subtropicais e agora se expande para áreas tropicais, o que exige acompanhamento constante da ciência.
“Agora está indo para o tropical, então a gente vai ver os próximos capítulos aí no tropical. Como é que vai ser?”, perguntou, indicando que ainda não se tem certeza do que vem adiante.
Competição e adaptação: por que o coral-sol é um problema?
A pesquisadora Ana Carolina Luz, bióloga responsável por pesquisas relacionadas ao coral-sol em Arraial do Cabo, detalhou ao Correio Sabiá por que a espécie é considerada uma ameaça à biodiversidade:
“O coral-sol é uma espécie invasora. O principal problema que ela causa é a competição por espaço e por alimento com espécies nativas da nossa costa brasileira.”
Segundo ela, a espécie é altamente adaptável a diferentes habitats marinhos naturais e artificiais. Resiste a variações de temperatura e salinidade, além de apresentar grande capacidade reprodutiva.
“O coral-sol tem excelente capacidade de reprodução e adaptação se comparado a algumas outras espécies mais sensíveis. Alimenta-se de plâncton e microrganismos e acaba monopolizando um costão inteiro”, declarou.
Esse comportamento faz com que o coral-sol rapidamente se estabeleça em áreas de mergulho e em unidades de conservação, como MPAs (Áreas Marinhas de Proteção), tornando-se um desafio tanto para a pesquisa científica quanto para a gestão ambiental.
A transformação da biodiversidade no fundo do mar pode passar despercebida por visitantes ocasionais, mas para quem acompanha o ambiente de perto, a mudança é clara. Em poucos anos, áreas antes ocupadas por corais nativos passaram a exibir colônias extensas de coral-sol.
“Tiveram lugares que a gente viu a pedra todinha já tomada. Não tem espaço para outros corais virem conviver em harmonia”, declarou a mergulhadora Maria Romano.
Correio Sabiá faz mergulhos de cilindro em Arraial
Para testemunhar a presença do coral-sol na região, a reportagem do Correio Sabiá fez mergulhos de cilindro em Arraial do Cabo. Observamos sua presença em diferentes pontos, muitas vezes dominando toda a costa rochosa.
Durante a expedição, fizemos gravações submersas com uma GoPro 11 Black Edition. Parte das imagens ilustra nosso documentário sobre a presença do coral-sol no litoral brasileiro.
Os vídeos que fizemos debaixo d'água também foram usados num modelo computacional que usa machine learning para identificar onde há presença de coral-sol.
O modelo foi desenvolvido pela pesquisadora Ana Carolina Luz e será detalhado mais adiante nesta série de reportagens. É uma potencial solução para reduzir riscos causados por espécies invasoras e trabalhar com prevenção.
Impactos em áreas de proteção
Para os pesquisadores, monitorar a expansão do coral-sol é fundamental. O processo de dominância compromete habitats, afeta cadeias alimentares e reduz a diversidade em áreas críticas. Esses impactos também ocorrem em áreas de proteção ambiental.
“Aqui em Arraial do Cabo, já sofremos com esse contexto. Temos colônias de coral-sol em áreas de proteção ambiental e em reservas extrativistas”, disse Ana Carolina Luz.
A convivência entre o turismo e a conservação faz da região um microcosmo do desafio nacional. No passado, o problema parecia restrito a pontos isolados. Atualmente, o cenário é mais amplo. Esse avanço constante faz com que a vigilância seja indispensável, já que novos ambientes podem estar sob risco.
“Precisamos observar [como será o avanço do coral-sol] com o tempo”, disse Cadu.
Alinhamento com a meta 30x30
A meta global 30x30, estabelecida para proteger 30% das áreas terrestres e marinhas até 2030, é essencial para mitigar riscos ecológicos como a invasão do coral-sol na costa brasileira.
Ao garantir a criação e o fortalecimento de MPAs (Áreas Marinhas Protegidas), o 30x30 amplia as condições institucionais e financeiras para monitorar ecossistemas e reagir com rapidez a ameaças biológicas.
No caso do coral-sol, cuja reprodução acelerada e adaptabilidade desafiam o equilíbrio ecológico, a implementação efetiva dessas metas permitiria ações preventivas mais coordenadas, baseadas em dados científicos e em políticas de conservação integradas.
A presença do coral-sol em unidades de conservação mostra como, além da existência de áreas protegidas, é preciso gestão ativa, vigilância contínua e colaboração entre pesquisadores, mergulhadores e comunidades costeiras.
Os objetivos 30x30 ampliam o debate sobre conservação marinha e incentivam a proteção de territórios e o desenvolvimento de estratégias de manejo que mantenham a resiliência dos ecossistemas frente a espécies invasoras.
Apoio do Earth Journalism Network
A série de reportagens "Coral-sol, uma espécie invasora no litoral brasileiro" é uma produção do Correio Sabiá e do Ocean com apoio do Earth Journalism Network.
Isso porque o fundador do Correio Sabiá e do Ocean, o jornalista Maurício Ferro, foi um dos 16 selecionados num edital global do Earth Journalism Network –sendo o único brasileiro do grupo.
Ao longo destes dias, o leitor terá informações sobre essa espécie invasora em versões bilíngues (português e inglês). Também haverá produção audiovisual a ser veiculada no canal do Correio Sabiá no YouTube.
Autor
Jornalista e empreendedor. Criador/CEO do Correio Sabiá. Emerging Media Leader (2020) pelo ICFJ. Cobriu a Presidência da República.
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