Relembre a trajetória partidária de Bolsonaro até 'casar' com o PL
Bolsonaro no PL: da saída do PSL à tentativa frustrada de criar o Aliança pelo Brasil
Saiba ainda todo o histórico de partidos pelos quais Bolsonaro já passou até chegar no PL, de Valdemar e do ‘Centrão’
O que você vai encontrar na reportagem abaixo, em tópicos:
- Bivar está ‘queimado pra caramba’, diz Bolsonaro
- Escândalo do suposto ‘Laranjal do PSL’
- Disputa pela liderança da bancada do PSL na Câmara
- Bolsonaro edita medida provisória que atinge Bivar
- Bolsonaro deixa o PSL e anuncia o Aliança pelo Brasil
- Após conversas com partidos do Centrão, Bolsonaro ‘casa’ com o PL
- Quem é Valdemar Costa Neto, presidente do PL
- Saiba o histórico de partidos de Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro pôs fim nesta 3ª feira ao longo período (749 dias) sem ter partido político. Às 10h30, no Complexo Brasil 21, em Brasília, ocorreu o evento de filiação do presidente ao PL (Partido Liberal), de Valdemar Costa Neto.
Desde que saiu do PSL, no dia 12 de novembro de 2019, Bolsonaro está sem partido. O presidente tentou criar sua própria legenda, o Aliança pelo Brasil, mas não conseguiu reunir e homologar nem perto das assinaturas exigidas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Agora, após negociações com alguns partidos políticos do “Centrão”, grupo de siglas mais alinhadas pelo interesse em cargos do que por uma linha ideológica bem definida, Bolsonaro decidiu se filiar ao PL para tentar se reeleger em 2022.
O Correio Sabiá mostra abaixo o histórico de filiações partidárias de Bolsonaro desde que ingressou na política e relembra os impasses que envolveram o presidente na saída do PSL e na tentativa frustrada de criar o Aliança pelo Brasil.
Bivar está ‘queimado pra caramba’, diz Bolsonaro
Bolsonaro começou a dar sinais públicos de que desembarcaria do PSL (Partido Social Liberal) quando pediu para que um apoiador seu esquecesse a legenda. Em seguida, disse que o presidente da sigla, Luciano Bivar, estava “queimado”.
O diálogo ocorreu no dia 8 de outubro de 2019, na saída do Palácio do Alvorada, residência oficial da Presidência, quando o estudante Diogo Araújo, de Recife, e integrante do PSL Jovem, apresentou-se ao presidente como pré-candidato pelo partido.
Apoiador: “Eu sou de Recife, pré-candidato do PSL.”
Bolsonaro (cochichando): “Esquece o PSL.”
Apoiador: “Eu, Bolsonaro e [Luciano] Bivar, juntos por um novo Recife!”
Bolsonaro: “Cara… não divulga isso, não, cara. O cara [Bivar] está queimado pra caramba lá. Vai queimar o meu filme também, entendeu? Esquece esse cara, esquece o partido.”
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Nesse período, o PSL estava rachado em 2 “grupos”: “bivaristas” e “bolsonaristas”. A divisão teria se iniciado por conta da disputa pelo controle da sigla e pelas milionárias fatias dos fundos partidário e eleitoral destinados ao PSL, no valor de R$ 103 milhões.
Bolsonaro sempre declarou que não se tratava de disputa por fundo partidário e eleitoral. O presidente afirmava que foi eleito sem esses recursos, com ajuda apenas das redes sociais.
No entanto, aliados de Bolsonaro queriam que Bivar alterasse o estatuto do partido e dividisse o controle desses recursos com integrantes da Executiva. O presidente do PSL resistia à ideia.
Advogados de Bolsonaro, Admar Gonzaga e Karina Kufa declararam no dia 9 de outubro de 2019 que faltava transparência dentro do partido e disseram que estudavam “solução jurídica” para que o presidente da República deixasse o PSL sem perder seu mandato.
As declarações dos advogados foram dadas no Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo, depois de encontro com o presidente e alguns deputados federais da sigla que eram alinhados ao presidente da República.
No dia seguinte (10), Bivar reagiu. Afirmou que Bolsonaro estava sendo “mal aconselhado” e que os advogados queriam o controle dos fundos partidário e eleitoral para “fazer coisas não éticas”. Ele não citou nomes, mas falou em “juiz desempregado” e “advogada rapina”, em referência a Gonzaga e Kufa.
No dia 11 de outubro de 2019, Bolsonaro pediu informações financeiras do próprio partido a Bivar. A ideia era que fosse feita uma auditoria externa.
Escândalo do suposto ‘Laranjal do PSL’
Concomitantemente às declarações dos advogados de Bolsonaro, ao pedido de informações financeiras ao PSL, trocas de farpas entre bivaristas e bolsonaristas e notícias sobre uma eventual disputa pelo controle do fundo partidário, havia um escândalo no noticiário: o suposto esquema de candidaturas-laranja do PSL.
O protagonista seria o então ministro Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), que na época era deputado federal licenciado pelo PSL de Minas Gerais. Atualmente, Álvaro Antônio já deixou o ministério e retomou o mandato no Congresso.
Mas, no mesmo dia (9) em que Bolsonaro recebeu seus advogados no Planalto e, em seguida, os defensores falaram sobre falta de transparência no partido, o presidente da República receberia Álvaro Antônio. A agenda foi cancelada.
O suposto esquema consistia em usar candidatas-laranja para desviar dinheiro que deveria ser destinado a candidaturas femininas, como prevê a legislação. Assim, o partido poderia usar a verba em outras campanhas.
Pela lei, 30% do dinheiro do fundo partidário precisa ser destinado ao financiamento de candidaturas femininas. Bivar chegou a defender o fim da cota feminina para “evitar novos rolos no futuro”.
A história do “Laranjal do PSL”, como ficou conhecido o suposto esquema na imprensa, levou o nome de Bolsonaro a um inquérito aberto da PF (Polícia Federal), porque havia a suspeita de que o dinheiro desviado tivesse sido usado na campanha do presidente. Bolsonaro chegou a criticar a citação ao seu nome no inquérito. Falou que o delegado da PF que fez a pergunta “agiu de má-fé”.
“O delegado da Polícia Federal fez uma pergunta para o cara lá. ‘Esse recurso, que seria o caixa 2, foi usado na campanha do presidente Jair Bolsonaro?’ Ele disse: ‘Acho que sim’. Pronto, me carimbaram no processo. Isso aí é uma covardia. Quem fez esse inquérito aí agiu de má-fé. Ou devia se aprofundar. *‘Acho?’ Essa é a pergunta que se faz?* O cara fala ‘acho’ e bota lá?”, criticou.
No dia 15 de outubro de 2018, Bivar foi alvo de uma operação da PF para apurar o escândalo. Bolsonaro declarou que não interferiu na PF para atingir o presidente do PSL. “A investigação era antiga”, disse.
Na mesma ocasião, o então líder do partido na Câmara, Delegado Waldir (GO), disse que o senador Flávio Bolsonaro, que naquela época também era filiado ao PSL, e seu ex-assessor Fabrício Queiroz deveriam preparar um “cafezinho” para a PF.
Disputa pela liderança da bancada do PSL na Câmara
No dia 16 de outubro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi emplacado na liderança da legenda na Câmara, após uma “guerra de listas”. De um lado, o documento da ala bolsonarista teve 27 assinaturas. De outro, a ala bivarista coletou 26.
Destituído do cargo, Delegado Waldir ironizou. De acordo com ele, se Eduardo assumisse, seria sinal de que não iria para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos, conforme havia sido indicado pelo pai. A função –uma das mais altas da diplomacia brasileira– ficou esvaziada durante meses por isso.
O clima piorou dentro do PSL com a informação de que o próprio presidente Jair Bolsonaro teria atuado diretamente para destituir o líder da bancada. Ele foi gravado escondido articulando a queda de Waldir.
Perguntado sobre o áudio, Waldir chamou Bolsonaro de “vagabundo” e disse que o presidente da República estaria comprando a vaga do filho dele na liderança do PSL, oferecendo cargos e fundo partidário.
Depois, Waldir voltou atrás sobre suas declarações contra o presidente. Mas durou pouco. No dia seguinte, chamou Bolsonaro novamente de “vagabundo”.
O nome de Eduardo Bolsonaro apareceu no sistema da Câmara como líder do PSL na Câmara no dia 21 de outubro. Pouco depois de assumir a liderança, o deputado destituiu todos os 12 vice-líderes do PSL.
Bolsonaro edita medida provisória que atinge Bivar
As disputas entre o presidente da República e o presidente do PSL ganharam novo episódio no dia 11 de novembro, quando Bolsonaro editou uma MP (Medida Provisória) que acabava com os seguros obrigatórios DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres) e DPEM (Embarcações Marítimas).
A medida atingiu em cheio os negócios de Luciano Bivar, que controla e preside o conselho de administração da seguradora Excelsior, uma credenciada pelo governo para cobertura do seguro.
A empresa intermediou o pagamento, de janeiro a junho de 2019, de R$ 168 milhões em indenizações relacionadas ao seguro, segundo relatório de auditoria da Líder DPVAT.
Bolsonaro deixa o PSL e anuncia o Aliança pelo Brasil
Foi no dia seguinte, 12 de novembro, que Bolsonaro anunciou sua saída do PSL e a tentativa de criação de um partido, o Aliança pelo Brasil.
No dia 19 de novembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu os efeitos da MP que derrubava o DPVAT. No mesmo dia, o PSL fez uma convenção nacional para eleger a nova Diretoria do partido. Bivar foi reconduzido à presidência da sigla por mais 2 anos.
Detalhe: Bivar tinha deixado a presidência do PSL durante o período eleitoral. Passou o cargo para o então braço direito de Bolsonaro, o advogado Gustavo Bebianno, que mais tarde se tornaria ministro e deixaria o cargo com críticas ao presidente da República.
Bolsonaro procurava uma sigla para se filiar e disputar a Presidência. Deixou o PSC para se filiar ao então nanico PSL, que saltou de uma bancada de 1 congressista para 52 no momento imediatamente após a eleição.
Bebianno foi quem comandou a campanha de Bolsonaro à Presidência. Bivar só reassumiu o comando do PSL com o governo montado.
E durante o contexto de desembarque de Bolsonaro do PSL, diversas siglas em gestação começaram a aparecer, tentando atraí-lo para ganhar força. No entanto, o presidente optou por tentar, ele próprio, criar sua legenda.
Para a missão, chamou o advogado Admar Gonzaga, ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que já tinha conseguido o direito de seu filho e vereador Carlos Bolsonaro de disputar a eleição para a Câmara Municipal do Rio aos 17 anos.
O evento de “lançamento” de criação do Aliança pelo Brasil ocorreu em Brasília e foi grandioso, com centenas de apoiadores. A imprensa foi hostilizada pelos bolsonaristas. A ela, foi designada uma área descoberta distante do palco.
Os cargos de direção da legenda seriam compostos pelo próprio Jair Bolsonaro, como presidente, pelo senador Flávio Bolsonaro, 1º vice-presidente, pela advogada Karina Kufa, tesoureira, e pelo advogado Admar Gonzaga, secretário-geral.
Ocorre que, para um partido ser criado, são necessárias 491.967 assinaturas com apoio de eleitores. Essas assinaturas precisam ser validadas pela Justiça Eleitoral. Em fevereiro de 2021, apenas 72.956 assinaturas haviam sido validadas. O número de apoiamentos pode ser consultado em tempo real nesta página.
A ideia de criar um partido do zero teria que emplacar em tempo recorde, caso Bolsonaro já quisesse estar apto a entrar na disputa eleitoral em 2020, ocasião do pleito municipal. O PSD, de Gilberto Kassab, foi o campeão nesse sentido –muito à frente dos demais. O registro ocorreu em 193 dias.
Em 2º lugar, o Solidariedade levou 548 dias para ser registrado na Justiça Eleitoral. E, em 3º, a Rede Sustentabilidade levou 948. Outros partidos, como PROS, Novo e PMB levaram, respectivamente, 1.359, 1.676 e 2.682 dias para serem concebidos.
O tom otimista com a criação de uma nova sigla foi passando. A advogada Karina Kufa disse diversas vezes ao diretor de redação do Correio Sabiá, Maurício Ferro, que a pandemia da covid-19 prejudicava a coleta de assinaturas e a realização de eventos de divulgação da nova sigla.
Por fim, em outubro deste ano, Bolsonaro descartou a formação do partido. Em conversa com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada, o presidente afirmou que a chance de criação era “zero”.
“Esquece! É impossível. Zero chance de se formar o Aliança. O que é possível, a gente tenta fazer aqui. O que é impossível, deixa para Deus”, disse.
Após conversas com partidos do Centrão, Bolsonaro ‘casa’ com o PL
Depois de não atingir seu objetivo de criar o Aliança pelo Brasil –nem 1/3 das assinaturas necessárias para a formação do partido foram obtidas–, Bolsonaro se filiou ao PL (Partido Liberal) na manhã desta terça-feira (30).
No evento, que ocorreu no Complexo Brasil 21, em Brasília, o presidente criticou a esquerda (sobretudo o PT) e fez diversos acenos ao Congresso.
O PL é um partido do “Centrão”, grupo de legendas conhecidas por serem mais ligadas ao interesse em cargos e verbas do que pela afinidade ideológica. No caso do PL, a sigla já compôs o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre 2003 a 2010, e teve um filiado, José Alencar, como vice do petista.
O partido é comandado pelo ex-deputado federal Valdemar da Costa Neto desde a década de 1990. Foi justamente Valdemar quem articulou para que José Alencar fosse vice-presidente de Lula. Desta vez, Valdemar deu “carta branca” a Bolsonaro para integrá-lo na legenda.
O “casamento”, palavra normalmente usada pelo próprio presidente, é um jogo de conveniência para as duas partes. De um lado, Bolsonaro precisa de uma sigla para disputar a reeleição em 2022. Do outro, o PL vê no bolsonarismo uma oportunidade de aumentar o tamanho de sua bancada.
Para que a união dê certo, Bolsonaro e o PL terão de passar por algumas barreiras. O PL tem uma série de alianças regionais (inclusive com o PT) que são inconvenientes para Bolsonaro. São parcerias que provavelmente serão desfeitas. Também deve haver desembarque de alguns congressistas da sigla por causa da chegada do presidente.
Quem é Valdemar Costa Neto, presidente do PL?
Com perfil histórico de articulador de bastidores, Valdemar Costa Neto retornou ao protagonismo na política ao negociar a filiação de Jair Bolsonaro ao PL.
O presidente nacional do PL foi condenado no escândalo do “Mensalão”. Em 2012, o STF considerou Valdemar culpado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Por isso, ele foi preso em 2013.
Sentenciado a 7 anos e 10 meses de prisão, Valdemar continuou comandando o PL de dentro da prisão, mantendo sua expressão no cenário político. Em 2016, ele recebeu perdão de pena do ministro Luís Roberto Barroso, do STF.
Durante o governo Bolsonaro, Valdemar fez jus a seu caráter influente e emplacou a então deputada federal Flávia Arruda (PL-DF) como ministra da Secretaria de Governo, além de ter feito indicações para cargos dentro do Ministério da Saúde, do Banco do Nordeste, e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
Agora, Valdemar atrai Bolsonaro para dentro de seu partido. A filiação, a princípio, ocorreria no último dia 22, que é o número da sigla nas urnas. No entanto, foi adiada. Bolsonaro disse que havia “muito a conversar”.
A princípio, o interesse maior de Bolsonaro estaria em São Paulo, estado onde pretende indicar um candidato ao governo e ao Senado.
Saiba o histórico de partidos de Bolsonaro
Desde que iniciou sua vida política, em 1989, Bolsonaro já integrou 8 partidos. Portanto, o PL é o 9º partido do presidente.
No entanto, de 1989 até 2003, Bolsonaro teoricamente não mudou de legenda, apesar de ter passado por 3 siglas diferentes. Isso ocorreu porque houve fusões entre os partidos.
Veja abaixo quais siglas já abrigaram o atual presidente da República:
- PDC (Partido Democrata Cristão) – de 1989 a 1993.
Em 1993, o PDC se fundiu com o PDS (Partido Democrático Social) e deu origem ao PPR (Partido Progressista Reformador).
- PPR (Partido Progressista Reformador) – de 1993 a 1995
A legenda também se fundiu com o Partido Progressista e assim formou o PPB (Partido Progressista Brasileiro).
- PPB (Partido Progressista Brasileiro) – de 1995 a 2003
- PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) – de 2003 a 2005
- PFL (Partido da Frente Liberal) – 2005
Posteriormente, a sigla virou DEM, e agora, aprovou sua fusão ao PSL para virar União Brasil.
- PP (Partido Progressista) – de 2005 a 2016
- PSC (Partido Social Cristão) – 2016 a 2018
- PSL (Partido Social Liberal) – 2018 a 2019
- Sem partido – 2019 a 2021
- PL (Partido Liberal) – 2021
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