Artigo: "O 'presente' de Vladimir Putin à Europa"

Artigo: "O 'presente' de Vladimir Putin à Europa"
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Artigo: “O ‘presente’ de Vladimir Putin à Europa”, escreve Henry Galsky

É possível que Putin ainda não tenha se dado conta de como a guerra afetará a Europa de maneira decisiva
A ‘operação militar especial’, como Putin chama a guerra na Ucrânia, ainda não tem sem sinais claros de ser interrompida / Foto: Sputnik / Mikhail Klimentiev
*Por Henry Galsky, de Israel

A ideia de que a Europa é um continente pacífico parecia algo claro. Ao menos esta era até agora a realidade quase consensual, especialmente após a Segunda Guerra Mundial e, ainda mais, entre os atores nacionais que experimentaram aquele conflito. Mas a Europa foi um teatro de operações militares. E a realidade do pós-guerra pode ser considerada uma pausa, uma exceção absoluta. Para além dos fatos óbvios em si, a invasão russa à Ucrânia tem atuado no imaginário europeu.

A operação de Putin –ainda em curso e sem sinais claros de retrocesso– tem o poder de ativar antigas memórias na Europa, como quando arrumamos um armário em casa e nos deparamos com uma fotografia antiga. A guerra é uma realidade brutal, e o conflito na Ucrânia vai deixar marcas importantes em toda a Europa. A começar com a própria Rússia.

Moscou tem variado suas expectativas e parece cada vez mais inclinada a se concentrar na região de Donbass, no leste da Ucrânia. A conquista do território, onde também estão as autodeclaradas independentes (com a chancela de Vladimir Putin) “repúblicas populares” de Luhansk e Donetsk, poderia fornecer a rota de saída aos russos, um caminho para encerrar a operação declarando algum tipo de vitória. Vivemos numa era de batalhas digitais que muitas vezes são até mais importantes do que os enfrentamentos reais. Encontrar uma narrativa vitoriosa é uma das prioridades do governo russo.

Importante lembrar que, no início da invasão, a expectativa por parte de Putin parecia ser a de levar adiante uma ofensiva rápida capaz de pôr em prática sua grande superioridade militar sobre a Ucrânia. Possivelmente, havia ao menos a expectativa quanto à possibilidade de troca de regime em Kiev, levando à Presidência do país novamente uma liderança mais próxima a Moscou. Isso soa cada vez mais distante da realidade.

Putin precisou mudar o foco. Em parte em função disso, cada vez mais usa slogans como “desnazificação da Ucrânia” e as ameaças à integralidade do território russo representadas pelos “imperialistas” do Ocidente. A questão é evidentemente mais complexa, mas serve como exemplo sobre novos olhares e expectativas de vitória por parte da Rússia.

E, seguindo a lógica deste texto, vale o questionamento em torno das mudanças que a própria Rússia irá experimentar quando a guerra terminar e a poeira baixar. A ideia de “Império Russo” – e, claro, poder e grandiosidade – está em xeque – aí não pela narrativa, mas pelos acontecimentos reais. É fato que a Rússia não obteve a vitória inquestionável que Putin imaginava no início da invasão. Quais serão os impactos desta constatação no pós-guerra?

Para os demais países, estão em curso outras mudanças importantes. Fica a constatação óbvia: a ideia de alianças multilaterais de defesa sai profundamente abalada. A Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos Estados Unidos, não foi diretamente testada (até agora) no conflito.

Quer dizer, a posição do bloco é curiosa. Por mais que a Rússia não tenha desafiado a Otan, ficou evidente que o bloco jogou com o regulamento. Não houve socorro direto para defender o território ucraniano [como a presença de militares desses países em solo ucraniano, por exemplo], porque a Ucrânia não era um país-membro. Mas Putin invadiu um país soberano, na Europa, vizinho de países-membros. E a Otan preferiu não interferir diretamente.

O cenário descrito acima deixa implícita duas mensagens um tanto contraditórias: a 1ª delas é que não haverá socorro a qualquer Estado nacional invadido; a 2ª tem a ver com um movimento a que estamos assistindo neste momento exato: países até então considerados neutros, como Finlândia e Suécia, correm para aderir à Otan. E aí este é um problema que a própria Rússia criou. A invasão à Ucrânia tornou a Europa um continente de incertezas. Cada um que busque seu guarda-chuva. Caso contrário, o cenário é de completa vulnerabilidade.

E aqui cabe retornar a um ponto deste texto. Talvez a Rússia não tenha iniciado a operação na Ucrânia com este propósito. Talvez nem sequer se dê conta disso de forma clara. Mas o presente de Moscou ao “imperialismo” do Ocidente, a “vitória” a ser celebrada por Putin, seja justamente este aspecto: o retorno da Europa a uma realidade anterior à Segunda Guerra Mundial –de instabilidade, desunião, acordos secretos. Putin encontrou uma fotografia antiga ao mexer no armário dos europeus. Uma fotografia que causa medo, instabilidade e, acima de tudo, põe em risco o conceito que a Europa conseguiu construir para si a partir da segunda metade do século 20.

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