Artigo: 'O que representa o encontro entre Irã, Rússia e Turquia'

Artigo: 'O que representa o encontro entre Irã, Rússia e Turquia'
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Artigo: ‘O que representa o encontro entre Irã, Rússia e Turquia’, escreve Henry Galsky

Cada um dos países presentes pretende reforçar posições internacionais próprias a partir da aliança
Blue Tiles of Jame Mosque in Yazd, Iran / Foto: Mansour Kiaei/Unsplash
Jame Mosque, Yazd (Irã) / Foto: Mansour Kiaei/Unsplash
*Por Henry Galsky, de Israel

O encontro entre os líderes de Irã, Rússia e Turquia realizado em Teerã (capital do Irã), no chamado Processo de Astana, carrega em si uma mensagem óbvia: os 3 países pretendem colocar em prática uma visão própria do mundo e das relações internacionais que desafia a ordem estabelecida pelas potências ocidentais –da Europa e, em especial, dos estados Unidos.

Para “começar do começo”, é importante dizer que o Processo de Astana foi lançado em 2017 a partir do objetivo declarado por esses 3 países que, como discurso oficial, diziam buscar uma solução para a guerra civil síria.

Sim, há ainda uma guerra civil em curso na Síria, mas que, em virtude de um profundo olhar desinteressado por parte da comunidade internacional, não recebe lá grande atenção. Mas nunca é demais lembrar que este conflito ainda em curso (e que se arrasta desde março de 2011) nasceu como consequência das políticas de repressão do presidente sírio, Bashar al-Assad, às manifestações a favor da democracia embaladas pelo movimento que se convencionou chamar de Primavera Árabe.

Não deu certo. Não só o conflito continua, como Assad segue presidente –ajudado militarmente pelo aliado Vladimir Putin– e também a guerra civil coleciona mortos desde então –a esta altura, já são cerca de 610 mil.

O próprio trio em questão –Rússia, Irã e Turquia– tem outros interesses geopolíticos para além da declarada boa vontade ou intenção de buscar caminhos na Síria. Como sempre, a política é um conjunto de símbolos, e esta reunião não poderia ter intenções simbólicas –e práticas, é bem verdade– mais claras.

A 1ª delas é a intenção de escape por parte de Putin. O atoleiro ucraniano em que se meteu também resultou em sanções internacionais. Como escrevo desde o início da invasão à Ucrânia, o Oriente Médio é uma rota de saída viável a Putin. Para isso, nada melhor do que se unir a um gigante da região acostumado às sanções e que também busca caminhos alternativos: o Irã.

Há uma pedra cantada nas relações russo-iranianas: um acordo já nem tão secreto assim que incluiria negócios entre a estatal russa de gás, a Gazprom, e o Irã que não apenas contornaria as sanções mas que também daria aos russos –possivelmente num quadro mais amplo de pacote de negócios– acesso aos drones iranianos a serem usados por Moscou na guerra contra a Ucrânia.

No conjunto que mistura práticas e símbolos, o Irã necessita de alternativas às sanções e também de gestos simbólicos capazes de mostrar força a seus adversários regionais: o eixo sunita sobre o qual sempre escrevo e que agora está cada vez mais abertamente aliado a Israel.

As monarquias do Golfo Pérsico e Israel têm em comum este fato também óbvio de se considerarem existencialmente sob ameaça iraniana.

O modelo de revolução representado pelo Irã é considerado uma ameaça pelas monarquias sunitas; para Israel, os sinais são ainda mais claros: o estabelecimento de bases iranianas ao redor de sua fronteira, o repasse de armamento e recursos financeiros a seus principais adversários (Hezbollah, ao norte, e Hamas, ao sul), além de um discurso claro que prega a destruição do estado judeu –fatos que nenhuma autoridade israelense se arrisca a desconsiderar.

O Irã levou as monarquias do Golfo e Israel a adotar um discurso pragmático de união que, digamos, há 10 anos seria absolutamente inimaginável.

O momento escolhido pelo Irã para receber em seu território 2 aliados de força também não é ocasional: uma semana depois da visita do presidente norte-americano, Joe Biden, a 2 dos Estados que lideram o projeto de contenção regional ao Irã –Israel e Arábia Saudita.

Por fim, vale examinar a situação da Turquia. O principal pilar a reger as diretrizes internacionais do país é a dedicação que procura impedir, de todas as formas, a criação de um Estado curdo em qualquer parte do Oriente Médio.

Os curdos são uma minoria étnica que, historicamente, se distribui entre o sudeste da Turquia, o nordeste da Síria, o norte do Iraque, o noroeste do Irã e o sudoeste da Armênia.

Na Turquia, a população curda é estimada entre 15% e 20% da população total de 84 milhões de habitantes.

Neste momento, a Turquia se prepara para uma nova ofensiva militar no norte da Síria, onde há combates em curso entre o exército turco e as milícias curdas conhecidas como Unidades de Proteção Popular (YPG).

Portanto, não é surpreendente que o encontro para tratar de soluções na Síria tenha terminado como uma declaração igualmente óbvia (e absolutamente contraditória) por parte do presidente iraniano, Ebrahim Raisi, que reafirmou que a única solução para a crise deve ser política e sem a “interferência de potências estrangeiras”.

Isso diz muito sobre a transformação regional ocorrida neste século (em especial a partir da 2ª década deste século). Pelas perspectivas iranianas, a Rússia já deixou de ser uma “potência estrangeira” no Oriente Médio.

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Fars Province, Shiraz, Lotf Ali Khan Zand St, Iran / Foto: Steven Su/Unsplash
Fars Province, Shiraz, Lotf Ali Khan Zand St, Iran / Foto: Steven Su/Unsplash

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