#04 Aplicação que usa IA para identificar coral-sol ainda tem limitações
Como resultado final, modelagem que usa machine learning representa um avanço no controle da espécie invasora, mas terá que superar desafios de implementação
O fato principal
A pesquisadora Ana Carolina Luz desenvolveu um software que une IA (inteligência artificial) à visão computacional para detectar a presença de coral-sol, uma das principais espécies invasoras no litoral brasileiro. No entanto, a implementação e a difusão da tecnologia ainda enfrentam obstáculos.
“A IA pode não resolver sozinha, mas ajuda a minimizar impactos ambientais. E, junto de outras estratégias, pode dar tempo para os ecossistemas resistirem”, disse Ana Carolina Luz em entrevista ao Correio Sabiá.
Principais entraves para difundir a solução
Apesar de promissora, a solução que atrela visão computacional e machine learning tem desafios a superar.
- Primeiro, o modelo precisa ser mais testado, apesar dos resultados positivos da etapa inicial.
- Segundo, a implementação da modelagem em maior escala requer mais veículos subaquáticos, assim como a instalação de câmeras de monitoramento. Portanto, há custos inerentes a este avanço.
Pontos fortes da solução
Por outro lado, a automação do monitoramento traz avanços positivos e promissores.
- Se, por um lado, a implementação da modelagem com machine learning requer instalação de câmeras, por outro, reduz os custos atrelados ao envio de equipes de mergulho, por exemplo.
- Além disso, uma vez ajustado, o modelo torna escalável a capacidade de monitorar espécies exóticas, tanto para a identificação do coral-sol quanto para outras espécies invasoras.
“Esse modelo pode ser replicado para várias outras espécies invasoras. É um 1º passo para integrar tecnologia à conservação”, disse Ana Carolina Luz.
Por que isso importa?
Além disso, especificamente falando sobre o coral-sol, a espécie é resistente a variações de temperatura e de salinidade –e tem boa capacidade reprodutiva. Por isso, tornou-se um dos principais invasores do litoral brasileiro.
"Quando lança larvas, elas se assentam muito rápido. Existem estudos aqui sobre isso também, relacionados a essa assentação. "O coral-sol geralmente domina aquele cenário. Então, meio que monopoliza um costão", explicou Ana Carolina Luz.
Áreas de proteção ambiental e metas 30x30
Embora tenha se espalhado por milhares de quilômetros do litoral brasileiro desde que foi registrado pela 1ª vez na década de 1980 na Bacia de Campos, o coral-sol ainda não chegou a algumas áreas relevantes de proteção ambiental brasileiras, como o santuário marinho de Abrolhos.
Em todos esses casos, o monitoramento é uma ferramenta essencial para permitir que a ciência entenda se a "invasão" está ou não sob controle –e como vem afetando o ambiente e a competição entre as espécies.
"Como pode observar em campo, dá para ver que geralmente o coral-sol está espalhado no coral; ele não fica isolado. Então, por isso há a necessidade de ter uma detecção precoce dessa espécie: porque a capacidade reprodutiva é excelente –e isso se torna uma ameaça no contexto de uma área de proteção ambiental em que a gente tem que ter um plano de manejo. A gente tem que preservar a biodiversidade local. Então, aqui em Arraial do Cabo, por exemplo, a gente sofre com esse contexto. Tem esse contexto de ter bastante colônias de coral-sol, e a gente tem uma reserva extrativista; uma unidade de conservação sustentável. (...) O coral-sol acaba representando uma das principais ameaças na questão de biodiversidade para a Resex [reserva extrativista].
Ela acrescentou:
"A reserva também tem esse lado turístico, e quando a gente vai visitar essas áreas de mergulho, a gente acaba encontrando, muitas vezes, espécies invasoras, em vez de espécies nativas da nossa costa brasileira."
Parte da pesquisa de Ana Carolina Luz foi desenvolvida no IEAPM (Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira), da Marinha brasileira, que mantém colônias de coral-sol em tanques experimentais. A ideia é entender a biologia do organismo e buscar formas de mitigação.
“Nós trabalhamos com pesquisa aplicada. Monitoramos o coral-sol em ambiente controlado e buscamos desenvolver protocolos para mitigar seus impactos”, disse o biólogo e capitão de corveta da Marinha Sávio Calazans.
Ouvido pela reportagem, o professor e pesquisador Carlos Eduardo Leite Ferreira, conhecido como “Cadu”, declarou que a erradicação do coral-sol é "praticamente impossível" e que as estratégias de manejo são a saída para o problema.
“A tendência dessas espécies é se acomodar com o tempo. Mas a erradicação é praticamente impossível. Precisamos pensar em estratégias de manejo.”
Necessidade de incluir a visão computacional nas normas legais
O coral-sol já é legalmente reconhecido como uma ameaça aos biomas em que está inserido, assim como tem políticas públicas específicas para seu manejo, conforme a própria Ana Carolina Luz mencionou:
"Temos algumas legislações falando sobre um plano de manejo e controle do coral-sol. (...) Tem uma legislação dedicada –um plano de manejo, controle e monitoramento dedicado à espécie; uma portaria do Ibama. Esse plano já é bem conhecido a nível dos pesquisadores envolvidos com o coral-sol."
No entanto, de acordo com ela, há espaço para atualizar as normas vigentes de forma que fique explícita a possibilidade de monitoramento e manejo com uso de novas tecnologias, como a inteligência artificial, machine learning e visão computacional.
"O que eu sinto falta, particularmente –o que eu acho que o modelo e que esse estudo podem trazer de contribuição–, é o uso da inteligência artificial. Então, hoje, a gente, dentro do contexto desses planos, os tipos de monitoramento que são feitos utilizam mergulhadores, é claro, instrumentação com câmeras, o senso visual, que é uma prática bem comum por parte de biólogos. Enfim, cientistas da biologia marinha. Isso tudo está contemplado dentro desses planos. Mas o uso da inteligência artificial ainda é pouco desconhecido", disse a pesquisadora.
"Então, se eu puder sugerir, seria incluir, justamente, tecnologias como essa, como a visão computacional, na detecção desses organismos", acrescentou.
A execução desse monitoramento ocorreria a partir de câmeras que poderiam ser acopladas a veículos subaquáticos ou fixadas em plataformas, com conexão a um computador ou outro hardware externo que fizesse a identificação de forma rápida e acelerada.
"Isso, pelo que vi na nossa legislação pertinente, ainda não está contemplado", declarou Ana Carolina Luz.
Apoio do Earth Journalism Network
A série de reportagens "Coral-sol, uma espécie invasora no litoral brasileiro" é uma produção do Correio Sabiá e do Ocean com apoio do Earth Journalism Network.
Isso porque o fundador do Correio Sabiá e do Ocean, o jornalista Maurício Ferro, foi um dos 16 selecionados num edital global do Earth Journalism Network –sendo o único brasileiro do grupo.
Ao longo destes dias, o leitor terá informações sobre essa espécie invasora em versões bilíngues (português e inglês). Também haverá produção audiovisual a ser veiculada no canal do Correio Sabiá no YouTube.
Autor
Jornalista e empreendedor. Criador/CEO do Correio Sabiá. Emerging Media Leader (2020) pelo ICFJ. Cobriu a Presidência da República.
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