#03 Pesquisadora desenvolve modelo que usa IA e visão computacional para monitorar coral-sol
Ferramenta pode ser replicada para monitorar outras espécies invasoras
    O fato principal
A pesquisadora Ana Carolina Luz, que atua no IEAPM (Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira), desenvolveu a partir da sua dissertação de mestrado um modelo que usa IA (inteligência artificial), machine learning e visão computacional para identificar a presença do coral-sol, uma das principais espécies invasoras no litoral brasileiro, que causa problemas à biodiversidade marinha.
“A proposta era conseguir acelerar a detecção dessas espécies. A ideia é identificar o coral-sol em tempo real, seja em vídeos de mergulho, cascos de navios ou plataformas”, disse a pesquisadora em entrevista ao Correio Sabiá.
Esse recurso abre caminho para usos ainda mais avançados, como a integração a veículos subaquáticos autônomos (ROVs), capazes de mapear grandes áreas em pouco tempo.
Algoritmo YOLO
O sistema usado é baseado num modelo conhecido como YOLO (“You Only Look Once”). Segundo a pesquisadora:
“O algoritmo de visão computacional tem como destaque a precisão e a rapidez em detectar em tempo real. Ele analisa padrões e tenta simular a capacidade da visão humana”, explicou a pesquisadora.
Para treinar o modelo, foi preciso montar um banco robusto de arquivos. Ela contou que começou com mais de 5 centenas de imagens que foram transformadas no intuito de que o modelo pudesse compreender variações do coral-sol.
“Eu comecei com 550 imagens de coral-sol e precisei aplicar transformações para chegar a mais de 7 mil [imagens]. O treinamento levou meses até alcançar métricas confiáveis.”
Na prática, funciona assim:
- Imagens são captadas debaixo d’água (por mergulhos, transmissão em tempo real de câmeras instaladas em plataformas e quaisquer outros mecanismos);
 - Essas mesmas imagens são processadas por um software que usa IA para destacar possíveis colônias de coral-sol.
 - A detecção aparece na própria tela do computador: o programa em funcionamento circula amostras de coral-sol, quando as detecta.
 - O pesquisador ainda pode ajustar o nível de confiança da amostra.
 
“Eu ajusto a confiança do modelo e ele exibe as detecções, seja em vídeo, imagem ou até ao vivo, com uma câmera subaquática”, disse enquanto mostrava o software em funcionamento para a reportagem, no computador de uma sala do IEAPM, em Arraial do Cabo.
O Correio Sabiá esteve em Arraial do Cabo fazendo mergulhos de cilindro em locais com coral-sol. A reportagem gravou vídeos com GoPro 11 Black Edition, e as filmagens fazem parte do documentário que produzimos sobre essa espécie invasora no YouTube. A peça audiovisual estava em fase final de produção até a última atualização deste conteúdo.
Para testar o modelo desenvolvido pela pesquisadora, usamos no laboratório as mesmas imagens que coletamos em nossos mergulhos. O software identificou perfeitamente os pontos do costão rochoso com presença de coral-sol e começou a marcar quadrados onde reconhecia a espécie. Ao mesmo tempo, o programa também indicava a probabilidade de ser realmente coral-sol.
Marinha abriga pesquisas sobre coral-sol
O capitão de corveta Sávio Calazans, do IEAPM, declarou ao Correio Sabiá que diversas frentes de pesquisa na Marinha usam inteligência artificial.
“É uma programação que acelera a análise de dados e a identificação de padrões. Já utilizamos em estudos de espécies invasoras e no monitoramento ambiental”, disse.
Em visita feita pelo Correio Sabiá às instalações do IEAPM, havia exemplares de coral-sol mantidos em tanques para testes controlados.
“Aqui nós cultivamos exemplares e usamos análises computacionais para acelerar a identificação de padrões morfológicos e genéticos. Isso evita que um pesquisador precise passar horas analisando manualmente”, explicou.
Necessidade de atualização normativa para contemplar a visão computacional
Apesar dos avanços da pesquisa, Ana Carolina Luz destacou que o uso da IA ainda precisa ser incorporado aos planos de manejo oficiais. De acordo com ela, já existem legislações adequadas para controlar o coral-sol. No entanto, é necessário fazer uma atualização normativa para contemplar o uso de visão computacional nos mecanismos de controle e monitoramento.
“Já existem legislações falando sobre controle do coral-sol. A IA pode ajudar na detecção precoce e dar resposta rápida para os tomadores de decisão”, disse.
Potencial além do coral-sol
Ana Carolina Luz também disse acreditar que a modelagem pode ser replicada para outros desafios ambientais, como o monitoramento de outras espécies. Ou seja, uma vez que o modelo identifica o coral-sol, por que não poderia identificar outras espécies?
“Esse modelo pode ser replicado para outras espécies invasoras, como o mexilhão-perna e até para detectar microplásticos e bactérias”, falou.
Essa expansão abriria caminho para um sistema integrado de monitoramento marinho, usando inteligência artificial para identificar ameaças em diferentes frentes.
Limitações e próximos passos
Ainda que promissora, a tecnologia não é solução única. A IA depende de bons conjuntos de dados e de infraestrutura laboratorial para funcionar corretamente.
Além disso, como lembra a bióloga, a ferramenta é apenas uma parte do esforço:
“Eu sempre busquei associar tecnologia à conservação. A IA pode não resolver sozinha, mas ajuda a minimizar impactos ambientais.”
Autor
    Jornalista e empreendedor. Criador/CEO do Correio Sabiá. Emerging Media Leader (2020) pelo ICFJ. Cobriu a Presidência da República.
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