🌳 Servidores da área ambiental pedem reestruturação da carreira

🌳 Servidores da área ambiental pedem reestruturação da carreira

“Depois de a gente conseguir resistir e sobreviver [ao governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro], neste governo [do presidente Luiz Inácio Lula da Silva] a gente está brigado para existir com dignidade. Essa é a declaração dada ao Correio Sabiá no dia 19.jan.2024 por uma servidora da área ambiental alocada no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). O Correio Sabiá decidiu não divulgar a identidade dela para preservar sua segurança pessoal e profissional.

Os servidores da área ambiental pedem aumento salarial, melhores condições de trabalho, um plano de reestruturação da carreira amplo, entre outras demandas (detalhes abaixo). Funcionários da área ambiental são aqueles alocados no Ibama, ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), MMA (Ministério do Meio Ambiente) e SFB (Serviço florestal Brasileiro). São todos de uma carreira só, dividida em diferentes órgãos.

  • O Correio Sabiá disponibiliza de maneira transparente todas as demandas desses servidores por meio deste arquivo em PDF.

No momento de publicação deste conteúdo, dia 20.jan.2024, os servidores desses órgãos haviam interrompido suas atividades de campo. No entanto, mantinham suas atividades internas, que são burocráticas/administrativas. Por isso, não consideravam o movimento como uma greve. Eles estão trabalhando; apenas paralisaram parte das atividades que desempenham. Ou seja:

  • ⚠️ Importante: os servidores da área ambiental estão trabalhando, por exemplo, para retirar um passivo processual enorme que existe nos órgãos (mostramos os números abaixo, na parte de contexto). Essa é uma atividade interna, e atividades internas continuam.
  • ❌ Os servidores da área ambiental não estão realizando atividades de campo, como: fiscalização ambiental em todos os biomas (inclusive no mar), atividades de prevenção e combate ao incêndio florestal, licenciamento ambiental e monitoramento ambiental. É por meio da paralisação dessas atividades (e apenas delas) que os servidores pressionam pela reestruturação da carreira.

Críticos dessa paralisação parcial afirmam que, “sob Bolsonaro, não houve interrupção. Agora, com um governo mais alinhado à causa ambiental, houve.” Por quê? ➡️ Por isso, a servidora com a qual conversamos pediu que esta reportagem enfatizasse que os servidores valorizam a mudança de uma administração para a outra. A luta agora é outra, conduzida de uma maneira mais harmônica.

“Neste governo a gente quer uma conversa assertiva e bem posicionada. A gente não quer brigar com ninguém. A gente quer ser valorizado, inclusive para cumprir promessas de campanha. O presidente Lula fez promessas de valorização do Meio Ambiente, e a valorização do Meio Ambiente passa necessariamente pela valorização dos servidores”, afirmou.

“Não existe floresta em pé com os servidores no chão”

💬 Feedbacks. Valorizamos a interação no Jornalismo. Por isso, atualizamos esta reportagem no dia 20.jan.2024, às 18h57, depois da sua publicação, para incluir o que disseram alguns servidores da área ambiental DEPOIS que publicamos este conteúdo. Leia abaixo. Há uma seção só para isso. Vamos fazer atualizações sempre que for necessário para que nosso material fique ainda mais completo.

Área ambiental: entenda o contexto em que servidores atuam no Brasil

📊 Dados/Contexto. Eis alguns dados que justificam o pedido:

  • Ao todo, o Ibama tem 2.229 servidores. É o menor número de funcionários desde 2001. Estamos em 2024.
  • Atualmente, o licenciamento ambiental do Ibama tem apenas 223 servidores para analisar 3.299 processos.
  • A fiscalização ambiental do Ibama tem 723 agentes. (Ou seja, 723 agentes para fiscalizar o Brasil inteiro, em todos os biomas: Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado…).
  • No entanto, em média, apenas cerca de 300 agentes de fiscalização ambiental trabalham em campo num mês.
  • Isso porque servidores que atuam em campo também atuam em tarefas administrativas. Todo mundo faz tudo.
  • Imagine 300 agentes para fiscalizar todos os biomas do Brasil inteiro.
  • Para efeito de comparação, a Guarda Municipal de Salvador tem 1,3 mil agentes. É quase o dobro do Ibama, e o Ibama trabalha para o Brasil inteiro.
  • Tanto Ibama quanto ICMBio contam com apenas cerca de 50% do corpo de funcionários previsto em lei, que já seria pequeno para o tamanho do país. 

📉 Evasão para outras carreiras + aposentadorias. O contexto descrito acima mostra as dificuldades dos servidores atualmente, principalmente pela falta de mão de obra. Isso se agrava com as aposentadorias que vão ocorrendo no meio do caminho e com a evasão para outras carreiras, que oferecem salários mais atrativos. A servidora com quem conversamos explicou:

“Não temos uma reestruturação tem mais de 10 anos. Para ter ideia, o [salário] inicial hoje de um servidor de nível superior é metade de um servidor que entra nas agências, por exemplo, da ANA [Agência Nacional das Águas] ou da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], que têm em alguns momentos trabalhos similares [ao do Ibama].”

“A Anvisa, o Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento] e o Ibama são os responsáveis pela aprovação de novas moléculas de agrotóxico. Tanto o Mapa quanto a Anvisa ganham o dobro do servidor do Ibama que está fazendo o mesmo trabalho. Cada um tem um viés, (…) mas está fazendo a mesma coisa, com o mesmo peso. Então é uma disparidade muito grande.”

💳 Primeiro reestruturação e aumento; depois, novos concursos.

“A gente está brigando para isso, para depois brigar por concursos novos, para não acontecer o que aconteceu do ano passado [2023] para cá. Teve concurso, mas as pessoas não estão ficando, porque o salário não é atrativo. Então usam o Ibama de espécie de emprego temporário até conseguir um melhor. E, às vezes, até na iniciativa privada, porque o Ibama é uma escola de experiência na área ambiental, e o conhecimento que a gente tem na área administrativa vale ouro. Então é difícil segurar.”

“O nosso salário é motivo de fuga de cérebro.”

➡️ Outras informações relevantes.

📝 Proposta enviada há tempo. Os servidores da área ambiental também argumentam que já enviaram sua proposta de reestruturação de carreira ao atual governo desde outubro de 2022. Ou seja, quando o governo ainda nem sequer tinha tomado posse. Era governo de transição.

💰 Aumento para outras carreiras. O argumento dado pelo governo para não avançar na proposta dos servidores era que não havia dinheiro disponível. No entanto, esses funcionários agora dizem que servidores de vários outros órgãos tiveram suas propostas de reestruturação aceitas.

♻️ Ajuda no cumprimento de metas ambientais e promessas de campanha. Os servidores também argumentam que o trabalho deles contribuiu para uma ampla redução do desmatamento, ajudando o Brasil a voltar a sentar e ser relevante em mesas de negociação internacional. O país recuperou recursos que haviam sido bloqueados para o Fundo Amazônia, por exemplo.

No Correio Sabiá, fizemos reportagens que mostram como foi o desmatamento da Amazônia em 2023 e como está em 2024, com dados. Numa outra reportagem, também mostramos como o desmatamento da Amazônia é medido. Acreditamos que esses conteúdos explicativos, com uso de dados oficiais, são uma maneira eficiente e transparente de te manter bem-informado/a.

O que disseram os servidores depois que publicamos esta reportagem?

🗣️ “A reportagem está boa, só senti falta de falar que também estamos lutando por melhores condições de trabalho, como o reconhecimento das horas extras e trabalho aos fins de semana. O que é muito importante para o desempenho do nosso trabalho. Também senti falta de que ele explicasse o motivo pelo qual não fizemos greve no governo anterior, que era porque se parássemos estaríamos na verdade cumprindo com o objetivo do governo que era liberar os infratores, acabar com a “indústria da multa” e estaríamos dando mais motivos para o governo acabar com o Ibama”, disse Giovanni Pacelli, do Ibama no Ceará.

🗣️ “É importante destacar que, ao longo de 2023, os servidores se dedicaram ao máximo para alcançar resultados na redução do desmatamento, utilizado pelo governo como cartão de visita em fóruns internacionais. Eles trabalharam nos finais de semana sem receber horas extras, enfrentando dificuldades para obter adicional de periculosidade e lidando com outros problemas crônicos da carreira. Mesmo sem todos esses direitos, apresentaram os resultados ao governo; no entanto, até o momento, não houve nenhum reconhecimento por parte do atual governo”, disse Paulo Maués, do comando de mobilização.

🗣️ “Servidores do ICMBio, do SFB e do MMA estão sobrecarregados de processos no SEI. Se existir algum órgão público que não tenha passivo, com certeza não é da área ambiental”, disse o diretor-presidente do ICMBio, Cleberson Carneiro Zavaski.

Grupo Especializado de Fiscalização (GEF) do Ibama desativa garimpos ilegais nos parques nacionais do Jamanxim e do Rio Novo, no Pará. Foto: Felipe Werneck/Ibama
Ação do Ibama durante desativação de garimpos ilegais nos parques nacionais do Jamanxim e do Rio Novo, no Pará / 📸 Felipe Werneck/Ibama

Quando o Ibama destrói bens apreendidos em ações de fiscalização?

Outro conteúdo que temos mostra as situações em que o Ibama destrói bens apreendidos em operações de fiscalização ambiental. Previsto em lei, esse é um dos mecanismos usados para dissuadir o garimpo ilegal nas áreas de preservação. Ou seja, o Ibama pode destruir maquinário apreendido. A iniciativa desagrada a muitos pecuaristas, madeireiros, agricultores e garimpeiros, por exemplo.

Essa destruição de bens apreendidos em operações de fiscalização do Ibama pode ocorrer por vários fatores, como a falta de registro dos bens, a impossibilidade de retirar o equipamento por meio aéreo sem expor os servidores e/ou moradores da região, etc. Há situações em que a destruição dos bens encontrados pelo Ibama é considerada essencial para preservar a vida dos agentes e/ou da população local, por exemplo. Abaixo, damos detalhes concretos (exemplos, normas, etc.).

As ações de descaracterização, destruição ou inutilização de bens apreendidos estão previstas na Lei 9.605/1998 e no Decreto 6.514/2008. As normas também já foram reconhecidas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) como “imprescindíveis para o enfrentamento do garimpo ilegal”.

Mesmo assim, os casos de inutilização sumária de bens ocorrem em apenas cerca de 2% das apreensões do Ibama. São casos de exceção, quando existe risco à segurança da equipe durante o transporte. Basicamente, “quando não tem a menor condição de transportar” o bem apreendido, de acordo com uma fonte ouvida pelo Correio Sabiá e que atua em campo nessas ações.

Para quem quiser, aqui estão os dados abertos dos autos de destruição e inutilização nas operações do Ibama.

Grupo Especializado de Fiscalização (GEF) do Ibama desativa garimpos ilegais nos parques nacionais do Jamanxim e do Rio Novo, no Pará / Foto: Vinícius Mendonça/Ibama
Vista aérea de um garimpo ilegal no Pará / 📸 Vinícius Mendonça/Ibama

leia mais