Quando Ziraldo ajudou meu primo contra a 'independência' da Barra da Tijuca

Quando Ziraldo ajudou meu primo contra a 'independência' da Barra da Tijuca
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"Ziraldo nos ajudou a lutar contra a milionária campanha para a separação da Barra da Tijuca do [restante] Rio de Janeiro, que pretendia criar um novo município e, assim, alterar nossa Lei de Uso do Solo para acabar com o Plano Lúcio Costa e encher a Barra de arranha-céus". A declaração é de Sérgio Sardinha, 71 anos, engenheiro elétrico. Por acaso, primo deste que vos escreve.

Sérgio foi um dos participantes de um movimento de resistência à especulação imobiliária na Barra da Tijuca, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro.

"Eu era um garoto idealista, sonhador. Minha mãe ficava apavorada, pois enfrentávamos interesses poderosíssimos", conta. "Nosso slogan era 'Diga não à emancipação. A Barra é carioca'", lembra.

O cartunista, escritor e jornalista Ziraldo (criador do personagem "Menino Maluquinho"), que morreu no sábado (6.abr.2024) aos 91 anos, foi o responsável por fazer uma arte amplamente usada pelo movimento.

"Pedimos a ele que fizesse uma colaboração, e ele fez esse desenho. Foi a contribuição dele para a nossa campanha", diz Sérgio.

Ilustração feita por Ziraldo contra a emancipação do bairro da Barra da Tijuca / Foto: Arquivo pessoal
Ilustração de Ziraldo contra a emancipação da Barra da Tijuca / Foto: Arquivo pessoal

O que foi o movimento de 'independência' da Barra da Tijuca

Há quem brinque no Rio de Janeiro que a Barra da Tijuca é uma "cidade à parte". No entanto, muitos não sabem que isso já esteve em pauta, bem perto de ser formalizado. No dia 3 de julho de 1988, houve um plebiscito para consultar a população sobre a emancipação do bairro, tornando-o num outro município.

Votar "sim" significava concordar com esse pedido. Ou seja, era estar a favor de tornar a Barra numa outra cidade. Neste lado, estavam principalmente alguns empresários, como o idealizador do evento Rock in Rio, Roberto Medina, também dono da agência de publicidade Artplan, e então jogador de vôlei Bernard Rajzman que, na época, tinha ambições políticas. (Bernard chegou a ser Secretário Nacional de Esportes do governo do ex-presidente Fernando Collor e deputado estadual eleito pelo PPB na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).

"Contrataram a Artplan, do Medina, para fazer toda a campanha. Era num horário nobre antes do Jornal Nacional [telejornal da TV Globo que, até hoje, lidera a audiência do país]", recorda Sérgio.

Votar "não" era ser contrário à "independência". Foi neste lado que ficaram meu primo e Ziraldo, além de outras pessoas como a atriz Glória Pires, que disse numa entrevista à época que a emancipação era vontade "apenas de uma elite".

"Realmente, a Barra era muito abandonada pelos governos naquela época. As ruas ainda eram de terra. Então, eles [favoráveis à "independência"] prometiam que, se a Barra virasse um novo município, aí a Barra ia se transformar. Mas, na verdade, o que tinha por trás era o interesse da especulação imobiliária", explica Sérgio.

"Se a Barra se transformasse num novo município, a 1ª coisa que a nova Câmara dos Vereadores iria fazer era a nova Lei de Uso do Solo. Então, o Plano Lúcio Costa ia por água abaixo, e eles iam poder construir prédios altos em toda a Barra da Tijuca. Era uma grande jogada, um negócio milionário. E aí nós nos opusemos a isso."

"A Associação de Moradores da Barra era um grupinho de malucos que se reuniam toda segunda-feira na Rua Olegário Maciel, e nós começamos a trabalhar contra isso. Fazíamos reuniões, cara, era uma loucura: saía do trabalho, marcava segunda-feira à noite, cada dia a gente ia num condomínio. A gente pedia ao pessoal para descer para explicar a eles: 'Olha só, isso aí é uma grande jogada de especulação imobiliária'. E aí, quando as pessoas entendiam, [falavam:] 'Ah, é isso? E eu ia estava a favor disso...'".

No final, 6.217 eleitores votaram. Isso dava cerca de 12% dos 47.955 moradores do bairro habilitados a votar. A maioria votou "sim", pela separação da Barra da Tijuca: 5.785 pessoas. No entanto, o comparecimento às seções eleitorais ficou muito distante do mínimo exigido para o plebiscito valer.

"Foi interessante porque, no plebiscito, a [nossa] dúvida era: 'Vamos estimular as pessoas a irem lá votar 'não' ou, simplesmente, que se abstivessem?' Era muito mais fácil você não ir para não dar aquele quórum mínimo que a lei exige, e acaba que foi o que aconteceu. Foi um fracasso para eles o tal do plebiscito, acho que nem 12% das pessoas compareceu e essa ideia acabou", contou.

"Eu acho que, hoje, nós saíamos mortos, porque não é brincadeira enfrentar um interesse como esse, milionário. Você imagina modificar o plano da Barra para poder construir... No Jardim Oceânico, por exemplo, só pode construir prédio de 3 andares. Você [imagine] encher isso de prédio..." ▪️


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