Trump adota medidas que sugerem uso militar contra opositores nos Estados Unidos
Presidente argumenta que há "inimigos internos" para tentar enviar tropas federais a cidades normalmente governadas por democratas. Iniciativa carece de base legal.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu declarações e tomou medidas que sugerem que ele pretende usar as Forças Armadas dos EUA para combater o que chama de “inimigos internos” ou uma “invasão interna” no país.
Alguns pontos-chave dessas declarações e medidas:
- Em um discurso no dia 30 de setembro de 2025 na Base Quântico, Trump afirmou que os EUA estão “sob invasão de dentro”, algo “não diferente de um inimigo estrangeiro, mas mais difícil” porque os inimigos “não usam uniformes”.
- Ele propôs que cidades americanas (especialmente aquelas governadas por democratas) fossem usadas como “terrenos de treinamento” para tropas que enfrentariam “o inimigo interno”.
- Acompanhando as declarações, houve ordens para o envio de tropas federais ou National Guard (guarda nacional estadual) a cidades como Portland (para proteger instalações federais de imigração) e tomadas de controle maior sobre áreas urbanas com alegações de “desordem civil” ou “terrorismo doméstico”.
- Também há uma reorientação retórica e institucional no discurso de Trump e de seu secretário de Defesa (Pete Hegseth): críticas à “cultura woke”, rejeição de políticas de diversidade, reformulação de padrões de força física das Forças Armadas e propostas de enfraquecer certas regulações éticas internas.
Trump tenta legitimar, politicamente, o uso das tropas americanas (ou forças federais) para agir internamente nos EUA, sob a justificativa de que há uma ameaça interna de caráter quase militar ou insurgente.


Contexto institucional nos EUA
A ideia bate de frente com a tradição jurídica e constitucional americana. Eis algumas leis e precedentes relevantes:
1. Lei Posse Comitatus e a limitação ao uso militar em policiamento
A Posse Comitatus Act (1878) é uma lei dos EUA que basicamente impede que as Forças Armadas federais (Exército, Marinha, etc.) sejam usadas para executar leis civis ou exercer funções típicas de polícia, salvo em circunstâncias muito específicas. O objetivo é preservar a distinção entre poder militar e poder civil. Embora existam exceções (abaixo), a regra básica é essa limitação.
Trump e seus aliados argumentam que, em casos extremos, poderiam invocar exceções legais (como o Insurrection Act) que permitem o uso das forças federais para suprimir insurreições ou desordens civis, se certas condições forem atendidas.
2. O “Insurrection Act” de 1807
Essa é a principal lei que permite que o presidente federalize a guarda nacional de estados ou use as Forças Armadas federais para suprimir distúrbios civis, insurreições ou rebeliões, quando a aplicação normal da lei falha.
Mas há condições: geralmente, o governador estadual ou a legislatura precisa solicitar ajuda federal, ou deve haver circunstâncias em que “se torna impraticável” fazer cumprir a lei por meios civis. (Ou seja: não é um poder irrestrito.)
3. Riscos constitucionais e conflitos federais/estaduais
Mesmo com o Insurrection Act, muitos dos casos propostos por Trump são contestados como violações aos princípios de federalismo (autonomia dos estados), liberdade civil e separação de poderes. Exemplos:
- Usar tropas federais em cidades sem coordenação com autoridades locais pode ser visto como usurpação do poder local.
- Há questionamentos se os "distúrbios" alegados por Trump realmente justificam uma intervenção militar extrema.
- A própria implementação do uso de forças federais requer regras de engajamento muito claras, para evitar abusos, ferimentos a civis ou escaladas perigosas.
4. Precedentes históricos e riscos de militarização
Embora haja alguns precedentes nos EUA em que militares ou guarda nacional foram mobilizados em casos de distúrbios civis (por exemplo, rebeliões raciais, motins, protestos grandes), geralmente esses usos são bastante limitados, com supervisão judicial rigorosa e são vistos como exceções, não como norma.
O risco ao permitir repetidamente e em ampla escala o uso militar em funções de policiamento interno é a erosão da distinção entre o Estado e o cidadão, um traço essencial de regimes democráticos. Se o militar passa a operar com funções de segurança interna regular, isso inclina o sistema para tendências autoritárias.
Críticas, controvérsias e ceticismo
Alguns dos principais pontos de crítica:
- Risco autoritário/concentração de poder: Acusar opositores, movimentos civis ou autoridades locais de serem “inimigos internos” e usar tropas para enfrentá-los aproxima-se de discursos antidemocráticos.
- Justificativa frágil: Trump usa retórica de crise ou “ameaça existencial” para mobilizar o Poder Executivo, já que não há uma insurreição generalizada ou um colapso da ordem civil.
- Problemas legais: Muitos casos de uso de tropa federal ou guarda nacional foram contestados judicialmente; algumas decisões já declararam que certas ações ultrapassaram os limites legais.
- Militarização da segurança pública: Usar tropas armadas em cenários urbanos para lidar com questões que normalmente são de polícia (crimes, desobediência civil) pode aumentar a violência, causar danos colaterais e deslegitimar as instituições civis.
- Erosão da cultura civil-militar: Tradicionalmente, nas democracias, as Forças Armadas mantêm-se apolíticas e fora de disputas partidárias. Ao envolvê-las no combate a adversários políticos ou “inimigos internos”, estimula-se a corrosão dessa separação.
- Reação política e institucional: Governadores estaduais, prefeitos, legislaturas estaduais e tribunais podem resistir ou contestar judicialmente essas medidas. Já há exemplos de oposição a esses planos.
Em 2025, por exemplo, houve contestações sobre o envio de tropas federais para Los Angeles e outros locais, com decisões judiciais bloqueando ou limitando certas ações federais por entenderem que violavam a Posse Comitatus ou extrapolavam o poder presidencial.
Outro ponto de tensão: Trump tentou invocar o Alien Enemies Act (lei de 1798) para justificar deportações de estrangeiros com base em alegadas “invasões” ou ações criminosas transnacionais, mas tribunais já bloquearam partes desse uso ao questionar se, de fato, se enquadrava nos requisitos legais da lei.
Limites, incertezas e cenários futuros
Eis algumas incertezas sobre as medidas de Trump:
- Se ele será capaz legalmente de operacionalizar tudo isso: nem todas as declarações têm respaldo claro em lei ou precedentes.
- Como os militares reagirão: as Forças Armadas têm culturas institucionais e normas internas; muitos oficiais não querem ser vistos como braço político de um partido.
- Reação política e judicial: estados, legislaturas, cortes federais provavelmente vão contestar esse uso excessivo do Poder Executivo.
- Custo reputacional e social: se tropas forem empregadas em ruas civis e houver danos a civis ou protestos, isso pode minar a legitimidade e gerar crises maiores.
Um cenário é que Trump promova ou autorize intervenções específicas em cidades selecionadas (especialmente as que ele aponta como “problemas”), mas que sejam restritas por decisões judiciais ou resistência local.
Outra possibilidade é que parte desse discurso permaneça como retórica de campanha mais do que como política totalmente implementada. Mesmo assim, com impacto simbólico forte.
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