Artigo: 'Rússia busca ganhos estratégicos antes de negociar'
Diante da dificuldade no confronto, os russos buscam o que tenho chamado de "saída honrosa"
Depois de mais de 50 dias de guerra, a operação russa na Ucrânia não está próxima de atingir seus objetivos iniciais –de acordo com o que foi possível compreender do próprio posicionamento e das declarações de Moscou: o que se supunha uma ofensiva rápida, ágil e relativamente fácil tem mostrado resultados exatamente opostos.
Se inicialmente havia, inclusive, a expectativa de troca de regime na Ucrânia, agora as pretensões russas parecem mais focadas, limitando-se a causar a maior quantidade de dano possível à infraestrutura ucraniana e tendo como princípio algumas metas fundamentais:
- o reconhecimento da anexação da Crimeia ocorrido em 2014;
- o compromisso quanto à neutralidade da Ucrânia em relação à Otan (a aliança militar ocidental liderada pelos EUA);
- o impedimento da expansão da própria Otan; e
- a retenção do controle de parte do Donbas, região no sudeste do território ucraniano em parte já controlada pelos separatistas pró-Rússia.
Os russos tomaram a decisão quanto ao início da guerra. Mas não têm como controlar seus desdobramentos. Um deles é o fortalecimento do presidente Volodymyr Zelenskiy na comunidade internacional. Os números de civis mortos e a possibilidade, inclusive, de investigação internacional quanto ao uso de armamento químico pelas forças russas isolam ainda mais o país e seu presidente, Vladimir Putin.
Além disso, países oficialmente “não-alinhados”, casos de Finlândia e Suécia, interpretam a guerra na Ucrânia como um alerta quanto à própria vulnerabilidade, aproximando-as justamente da Otan –ou seja, causando efeito reverso ao imaginado pelo governo russo.
Diante da dificuldade do confronto, a Rússia busca agora o que tenho escrito nos textos aqui do site, a chamada “saída honrosa” –se o termo pode ser usado numa guerra, importante dizer. A ofensiva na região de Donbas é o sinal de que esta análise tende a ser correta. Colada à fronteira russa, a guerra é mais reduzida, sob o ponto de vista de Moscou.
Essa lógica explicaria também as razões pelas quais os russos praticamente destruíram a pequena cidade de Mariupol, causando inclusive um grande rastro de morte pelo caminho e a possibilidade –ainda a ser investigada, importante dizer– de terem feito uso de armamento químico. O controle de Mariupol permitiria aos militares russos conectar justamente as cidades de Donetsk e Luhansk –já reconhecidas como independentes pelo governo de Putin– à Crimeia anexada. Veja no mapa abaixo:

“Quando os russos sentirem que concluíram com sucesso essa batalha, eles terão completado uma ponte terrestre da Rússia à Crimeia, (considerando-a) como grande sucesso estratégico”, disse à rede BBC o General Sir Richard Barrons –ex-comandante do Comando das Forças Conjuntas do Reino Unido.
No meu texto anterior sobre a guerra na Ucrânia escrevi sobre a sagacidade da equipe do presidente Zelenskiy durante as negociações com os russos. A ideia era ceder às demandas de Putin quanto à neutralidade do país em relação à Otan, mas, em paralelo, propondo um mecanismo que praticamente inviabilizaria novas invasões ao território ucraniano. Os russos entenderam a mensagem. E, ao que parece, buscam construir fatos no campo de batalha para, aí sim, fechar algum tipo de acordo nas mesas de negociação.
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