Protestos no Nepal contra regulação das redes digitais derruba primeiro-ministro e deixa ao menos 30 mortos
No Brasil, debate sobre regulamentação opõe formuladores de política

O fato principal
O primeiro-ministro do Nepal, KP Sharma Oli, renunciou ao cargo na última segunda-feira (8.set.2025), depois de uma indignação pública generalizada contra a regulação das redes provocar a morte de ao menos 30 pessoas e deixar mais de mil feridos em apenas 2 dias de confrontos entre manifestantes e polícia.
O Nepal tem cerca de 29 milhões de habitantes e apenas 55% têm acesso à internet. No entanto, o bloqueio às redes sociais levou cerca de 16 milhões de pessoas às ruas, em manifestações que incluíram pautas como o combate à corrupção e o descontentamento com o desemprego.
Rabi Laxmi Chitrakar, esposa do ex-primeiro-ministro Jhalanath Khanal, morreu após ter a casa incendiada por manifestantes. Ela foi resgatada, mas não resistiu. A sede do Parlamento também ficou em chamas.
Contexto
O estopim para os protestos foi a proibição imposta pelo governo nepalês ao acesso a cerca de 26 plataformas de redes sociais, como Facebook, X (antigo Twitter), YouTube e outras.
As autoridades determinavam que essas empresas tivessem registro oficial e mantivessem escritórios de ligação no país para combater identidades falsas, desinformação e discurso de ódio.
Por outro lado, os manifestantes interpretaram a restrição ao uso de redes sociais como tentativa de controle da liberdade de expressão digital. Argumentaram que havia censura e cerceamento de direitos fundamentais.
A população –sobretudo jovens da chamada "geração Z" (de 18 a 24 anos)–, que já mostrava insatisfação com a corrupção política, o nepotismo e as desigualdades socioeconômicas, organizou protestos nas ruas de diversas cidades, sobretudo na capital Katmandu.
As forças policiais responderam com uso de gás lacrimogêneo, balas de borracha e disparos reais no dia 8 de setembro. Ao menos 19 pessoas foram mortas nesta ocasião. Mais de 100 ficaram feridas, segundo informações oficiais.
Após a escalada da violência, o governo reverteu a decisão e revogou o bloqueio às plataformas digitais. O então primeiro-ministro K. P. Sharma Oli expressou pesar pelas mortes, anunciou compensação para as famílias das vítimas, tratamento gratuito para os feridos e a criação de uma comissão investigativa com prazo de 15 dias para apresentar relatório sobre os eventos.
Itamaraty diz acompanhar 'distúrbios sociais' do Nepal 'com preocupação'
O Itamaraty, sede das Relações Exteriores do Brasil, divulgou uma nota oficial no dia 9 de setembro. Eis a íntegra, abaixo, em itálico:
O governo brasileiro acompanha, com preocupação, a grave situação relacionada aos recentes distúrbios sociais no Nepal, que já causou mais de 20 mortes e deixou centenas de feridos, em sua maioria jovens.
O governo brasileiro apela a todas as forças políticas do Nepal para que busquem a via do diálogo pacífico e inclusivo, com vistas à manutenção da ordem constitucional e democrática.
A Embaixada do Brasil em Katmandu acompanha os desenvolvimentos da crise. Até o momento, não há registro de brasileiros afetados. O governo brasileiro desaconselha, neste momento, viagens não essenciais ao país.
Paralelo entre o episódio no Nepal e o debate no Brasil
O debate sobre regulação das redes sociais no Brasil ocorre em instâncias legislativas e judiciais, principalmente em torno do chamado PL das Fake News (Projeto de Lei 2630/2020), que tramita na Câmara, mas não tem consenso entre os congressistas.
O governo federal defende explicitamente a regulamentação das redes. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou em pronunciamento em rede nacional de rádio e TV no dia 6 de setembro de 2025:
"Reconhecemos a importância das redes digitais. Elas oferecem informação, conhecimento, trabalho e diversão para milhões de brasileiros, mas não estão acima da lei. As redes digitais não podem continuar sendo usadas para espalhar fake news e discurso de ódio. Não podem dar espaço à prática de crimes como golpes financeiros, exploração sexual de crianças e adolescentes e incentivo ao racismo e à violência contra as mulheres."
A regulamentação ganhou contornos ainda mais relevantes quando o influenciador Felca divulgou um vídeo no YouTube, que atingiu dezenas de milhões de visualizações, com denúncias sobre "adultização" e exemplos de pedofilia nas redes sociais.
O objetivo formal da regulamentação é obrigar plataformas a retirar conteúdos ilegais, combater desinformação e transparência em algoritmos, sem bloqueio total de serviços.
O STF (Supremo Tribunal Federal) também firmou entendimento sobre até que ponto vai a responsabilização das redes pelo conteúdo que os usuários publicam. O entendimento geral foi o seguinte:
“Enquanto o Congresso Nacional não editar nova lei sobre o tema, a plataforma será responsabilizada civilmente pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos de crimes em geral ou atos ilícitos se, após receber um pedido de retirada, deixar de remover o conteúdo. A regra também vale para os casos de contas denunciadas como falsas”, segundo nota do próprio STF.
Anteriormente, a Corte determinou bloqueio de contas específicas e, em alguns casos, até a suspensão temporária de aplicativos que não cumpriram ordens judiciais, como o X (antigo Twitter). Houve troca de acusações com o bilionário Elon Musk, dono da plataforma.
Disputa política entre diferentes campos ideológicos
No Brasil, enquanto a esquerda tende a defender a regulamentação das plataformas digitais sob o argumento de que as redes sociais não podem ser "terra sem lei", políticos situados à direita tendem a defender a não regulamentação. Argumentam que representará censura à liberdade de expressão dos usuários.
O debate também envolve as big techs –gigantes da tecnologia como Meta, Google, X. (*Nota: adicionamos sugestões de leitura ao final deste conteúdo.)
Contexto político do Nepal
Existem, no entanto, diferenças entre o Brasil e o Nepal que refletem no debate sobre a regulação das plataformas digitais.
O Nepal vive sob governo multipartidário e enfrenta instabilidade frequente, com rotatividade de líderes e acusações repetidas de corrupção, desde a transição para a República Federal em 2008. Isto amplia a leitura de autoritarismo.
Já no Brasil, o contexto é de uma democracia consolidada, em que a regulação das redes se tornou tema de disputa ideológica entre campos políticos.
A iniciativa nepalesa de regular redes sociais ocorreu num contexto de fortalecimento tecnológico, mas também de temor político com mobilizações digitais. A geração Z, com participação online intensa, se tornou força política visível, sobretudo em movimentos centrados em temas de justiça social.
A economia do país se apoia em remessas do exterior, e o desemprego juvenil é elevado. As mobilizações reagiram a problemas estruturais e à exibição de privilégios das famílias políticas (fenômeno chamado de “Nepo Kid”).
A resposta governamental e militar à crise evidenciou limitação na capacidade de gestão de protestos e levantou questionamentos sobre obediência constitucional, direitos civis e o papel das forças armadas em contê-los.
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Author

Jornalista e empreendedor. Criador/CEO do Correio Sabiá. Emerging Media Leader (2020) pelo ICFJ. Cobriu a Presidência da República.
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