Em 2 dias, Câmara aprova 'PEC da Blindagem', urgência para anistia e Eduardo Bolsonaro como líder da minoria; entenda
Texto ainda tem que ser analisado pelo Senado. Se aprovado por 3/5 da Casa em 2 turnos de votação, segue para promulgação pelo Congresso.

O fato principal
Enquanto a sociedade civil demanda, por exemplo, a celeridade na isenção do Imposto de Renda para quem ganha R$ 5 mil ao mês, a Câmara dos Deputados deu andamento veloz a 2 assuntos impopulares para a maioria dos cidadãos brasileiros. Num único dia, a última quarta-feira (17.set.2025), aprovou:
- A "PEC da Blindagem", que é a proposta de emenda à Constituição nº 3/2021, em 2 turnos de votação. O texto seguiu para análise do Senado, onde também tem que passar por 2 turnos de votação e receber o aval de ao menos 3/5 da Casa para que seja promulgado pelo Congresso Nacional.
- A tramitação em regime de urgência para o PL (projeto de lei) 2162/2023, que define anistia (ou seja, perdão) aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram e depredaram as sedes dos 3 Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) por não aceitarem os resultados da eleição de 2022, quando o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi o vencedor.
Na véspera, terça-feira (16.set), a Câmara ainda tornou o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) como líder da minoria, mesmo com o congressista estando nos Estados Unidos –e atuando junto a autoridades norte-americanas para promover taxas contra produtos brasileiros e punições contra autoridades do país.
PEC da Blindagem, explicada
A PEC da Blindagem altera a Constituição para mudar regras sobre como deputados e senadores podem ser investigados, processados criminalmente ou presos. Também muda quem tem foro especial.
A proposta retoma a necessidade de autorização da Câmara e do Senado para o STF (Supremo Tribunal Federal) processar criminalmente deputados e senadores.
Como era antes
A Constituição de 1988 criou um sistema de proteção para tentar livrar o Congresso da interferência de outros Poderes e garantir a liberdade dos parlamentares.
Pela redação original do art. 53, um deputado ou senador não poderia ser processado criminalmente por crimes comuns sem autorização da sua respectiva Casa Legislativa.
Isso significava que, para processar penalmente um congressista, era preciso submeter um pedido à Câmara ou ao Senado. O Poder Legislativo, portanto, podia negar.
A medida foi desenhada para garantir a institucionalidade do Congresso. Mas, na prática, funcionou como mecanismo de impunidade que vigorou de 1988 até 2001.
Neste período, dos 253 pedidos para processar congressistas, apenas 1 foi aceito. Outros 43 foram explicitamente negados e 210 não tiveram resposta, o que levou ao arquivamento.
Os defensores da medida argumentam que se trata de um "resgate do texto original". Os críticos dizem que é a volta de "um privilégio" que "se provou prejudicial à democracia".
Novas medidas
O texto também estabelece novidades em relação à Constituição de 1988. Exemplos:
- Prisão em flagrante. Atualmente, um congressista só pode ser preso se for pego em flagrante de crime inafiançável. Mas a PEC acrescenta que o crime precisa estar listado na Constituição como inafiançável (racismo, terrorismo, tráfico de drogas, etc.). Essa redação limita entendimentos da Justiça.
- Medidas cautelares. Pela PEC, um ministro do STF não poderia tomar decisões monocráticas (individuais) sobre medidas cautelares –exceto prisão. Ou seja, o magistrado ficaria impedido de definir sozinho por medidas como busca e apreensão, quebra de sigilo, afastamento do cargo ou mesmo uso de tornozeleira eletrônica. O texto diz que essas decisões teriam que ser tomadas por voto da maioria do tribunal, sempre em decisões colegiadas. É uma resposta direta a várias determinações recentes.
- Foro privilegiado. A PEC expande o foro privilegiado no STF para até presidentes nacionais de partidos políticos com representação no Congresso, mesmo sem cargo eletivo.
- Revisão de decisão. Numa eventual situação em que o deputado ou senador foi processado, julgado e condenado, a PEC cria mais um recurso. É uma 2ª chance, mesmo que a decisão seja do STF. Neste caso, se a Turma condenou, o parlamentar teria o direito de recorrer ao plenário.
Até voto secreto
O texto aprovado pela Câmara restabelece o voto secreto para decidir se um congressista pode ou não ser processado.
Ou seja, os congressistas definiram que eles mesmos precisam votar se concordam ou não que um deles seja processado. E essa votação ainda tem que ser secreta.
Dessa forma, o cidadão não saberia qual foi o voto do representante em que votou, por exemplo, num caso de suspeita de corrupção.
Ao todo, 314 deputados federais aprovaram essa medida.
Repúdio no Senado
Presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, o senador Otto Alencar (PSD-BA) repudiou a aprovação da PEC pela Câmara e disse que a proposta deve ser rejeitada, caso seja incluída na pauta. Falou ainda que a CCJ tem outras prioridades.
"Uma lei que amplia a imunidade parlamentar leva sem dúvida nenhuma à impunidade. A impunidade certamente leva à recorrência dos atos incorretos e que vão ao arrepio da lei, tanto que no Senado Federal a nossa posição vai ser trabalhar para não permitir a sua aprovação", disse.
Ele acrescentou:
"Aliás, ela [a PEC] deve ser enterrada pelo nosso voto aqui no Senado Federal."
Como foi a votação?
Por mudar a Constituição, é mais difícil aprovar uma PEC do que um simples projeto de lei. A PEC precisa da aprovação de, no mínimo, 3/5 dos congressistas em 2 turnos de votação, enquanto um PL precisa apenas de maioria absoluta (metade + 1).
No caso da PEC da Blindagem, a votação foi assim:
- 1º turno: 353 votos a favor, 134 contra.
- 2º turno: 344 votos a favor e 133 contra.
A aprovação da PEC da Blindagem foi puxada por partidos de direita e do "centrão".
- O PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, teve 83 votos a favor no 1º turno; o Republicanos, 42; e o PRD, 5. Foram os únicos 3 partidos que não tiveram nenhum voto contra a PEC.
- O PT, do presidente Lula, teve 12 votos a favor da PEC no 1º turno, de um total de 67 deputados.
Todos os deputados do PSOL e do PCdoB, de esquerda, votaram contra a PEC: 14 e 9 votos, respectivamente.
PL da anistia, explicado
Por 311 votos a favor, 163 contra e 7 abstenções, a Câmara aprovou a tramitação em regime de urgência para o projeto que, na prática, define perdão aos condenados pelos atos com pautas antidemocráticas em 8 de janeiro de 2023.
Projetos em regime de urgência podem ser votados diretamente no plenário da Câmara, sem necessidade de passar por comissões. Assim, tramitam mais rapidamente. Neste caso, a data de votação do projeto ainda deve ser definida.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), definiu o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-PR) como relator. Ele tentará produzir um texto para conciliar as principais partes divergentes.
Eduardo Bolsonaro, líder da minoria
A decisão de tornar o deputado federal Eduardo Bolsonaro como líder da minoria é uma forma de tentar driblar a iminente perda do mandato do congressista por faltas, já que está no exterior.
Eduardo Bolsonaro chegou a se licenciar do mandato por 120 dias para atuar contra os interesses nacionais nos Estados Unidos. No entanto, o período de licença acabou e ele continua fora.
A saída encontrada por aliados foi torná-lo líder, já que atos da Mesa Diretora da Câmara de 2015 estabelecem que os líderes têm ausências "justificadas", sem efeitos administrativos, para faltas nas sessões deliberativas e nas votações da Casa.
No entanto, ainda existe um impasse técnico sobre a possibilidade de nomear Eduardo Bolsonaro para o cargo de liderança. A princípio, a decisão cabe ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
O que vem agora?
Sobre a PEC da Blindagem, a proposta tende a ser enterrada no Senado. Até mesmo deputados federais que votaram a favor do texto ficaram constrangidos com a repercussão negativa nas redes sociais. Dificilmente a proposta irá adiante.
Sobre o PL da anistia, o relator dificilmente conseguirá construir consenso entre governistas e oposição. Livrar o ex-presidente Jair Bolsonaro da pena é, neste momento, improvável. Integrantes do chamado "centrão" (grupo de partidos sem coloração ideológica bem definida) têm interesses eleitorais que independem de Bolsonaro. Em muitos casos, pretendem eles próprios capitalizar com o eleitorado bolsonarista, mas sem a presença do ex-presidente no pleito.
Sobre a liderança da minoria, o caso está sendo contestado em diferentes frentes, tanto na Câmara quanto na Justiça. Será preciso aguardar para entender se a manobra vai dar certo.
Author

Jornalista e empreendedor. Criador/CEO do Correio Sabiá. Emerging Media Leader (2020) pelo ICFJ. Cobriu a Presidência da República.
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