Aceno a Trump: Meta encerra programa de checagem de fatos nos Estados Unidos

Programa foi criado em 2016 como resposta às críticas que a empresa recebeu pelo avanço da desinformação na eleição dos EUA

Aceno a Trump: Meta encerra programa de checagem de fatos nos Estados Unidos
'Liberou geral': Empresa também passa a permitir que usuários classifiquem gays e trans como 'doentes mentais' / Imagem: Dima Solomin/Unsplash
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A Meta –empresa controladora do Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads– anunciou nesta terça-feira (7.jan.2025) o encerramento do seu programa de checagem de fatos (fact-checking) nos Estados Unidos (🇺🇸). Ainda não há informações sobre o Brasil (🇧🇷). A decisão marca uma mudança significativa na moderação de conteúdo dessas plataformas. Especialistas acreditam num aumento da circulação de desinformação e discurso de ódio.

A empresa ainda promoveu uma série de alterações em suas cláusulas em relação a questões de gênero e LGBTQI+, expondo esses grupos a mais conteúdo discriminatório em suas plataformas. A nova política permite que usuários classifiquem gays 🏳️‍🌈 e trans 🏳️‍⚧️ como "doentes mentais".

Contexto: o que significam as mudanças?

  • A decisão ocorre num momento de aproximação entre a Meta e o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, crítico da checagem de fatos e do jornalismo.
  • Trata-se de um alinhamento à direita, seguindo os "ventos eleitorais" norte-americanos.
  • A Meta afirmou que o programa anterior de checagem de fatos muitas vezes se tornou uma "ferramenta de censura". Mark Zuckerberg, CEO da Meta, declarou que é "hora de voltar às nossas raízes em relação à liberdade de expressão".
  • "Os checadores de fatos simplesmente foram muito enviesados politicamente e destruíram mais confiança do que criaram", disse Zuckerberg em pronunciamento publicado em vídeo nas suas plataformas (*assista mais abaixo). É um duro ataque à atividade de jornalistas.
  • A Meta ainda removeu nesta terça-feira (7.jan) cláusulas que proibiam comparar mulheres a "objetos domésticos" ou "propriedade", por exemplo. Foram adicionadas cláusulas que permitem explicitamente discursos transfóbicos, como defender a proibição de pessoas trans em banheiros públicos, esportes escolares ou certos empregos. A nova política também permite alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em gênero ou orientação sexual.
  • A empresa anunciou que removerá restrições sobre tópicos como imigração, que Zuckerberg descreveu como "fora de sintonia com o discurso mainstream".
  • As equipes de confiança e segurança, bem como de moderação de conteúdo, serão transferidas da Califórnia, estado democrata 🔵, para o Texas, estado conservador 🔴.
  • Na véspera (6.jan), a Meta anunciou a nomeação de Dana White, CEO do UFC (Ultimate Fighting Championship), o esporte do MAGA (Make America Great Again) Movement, para seu conselho. White tem apoiado Trump desde 2016.
  • Na semana anterior, a empresa dispensou seu principal centrista, Nick Clegg, ex-vice-primeiro-ministro do Reino Unido (🇬🇧), e elevou ao mais alto cargo político o conservador Joel Kaplan, ex-chefe de gabinete adjunto do presidente republicano dos EUA George W Bush.

Sobre o fim da checagem de fatos:

  • A Meta substituirá o programa de checagem por um sistema chamado "Notas da Comunidade", semelhante ao usado pelo X (antigo Twitter) do bilionário Elon Musk, que ganhou cargo no governo do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.
  • O novo modelo permitirá que os usuários das redes sociais da Meta chamem a atenção para publicações potencialmente enganosas e adicionem contexto. Atualmente, quem faz isso são organizações de checagem de fatos e especialistas independentes. O programa ora encerrado envolvia mais de 90 organizações verificadoras de fatos em mais de 60 idiomas.

Como funciona o programa de checagem de fatos da Meta?

Embora tenha falado em "censura" pelas organizações de imprensa, as diretrizes do programa foram estabelecidas pela própria Meta, que contrata serviços independentes de terceiros.

Ademais, a checagem de fatos não exclui os conteúdos. Ou seja, nenhum profissional de checagem de fatos tem o poder de retirar o conteúdo do ar.

Eis abaixo o passo a passo:

  • A Meta usava sinais (exemplos: feedback da comunidade e velocidade de disseminação do conteúdo) para identificar posts potencialmente enganosos. Fact-checkers independentes também podiam identificar conteúdo questionável por conta própria.
  • Fact-checkers certificados pela IFCN (International Fact-Checking Network) analisavam o conteúdo sinalizado.
  • Os verificadores produziam reportagens originais usando fontes primárias, entrevistas e dados públicos para avaliar a precisão das alegações.
  • Os fact-checkers atribuíam classificações como "Falso", "Parcialmente Falso", "Faltando Contexto" ou "Verdadeiro".
  • Conteúdo classificado como falso ou enganoso tinha sua distribuição reduzida nas plataformas da Meta.
  • Avisos eram adicionados às publicações, informando os usuários sobre a verificação realizada.
  • Usuários que compartilharam o conteúdo eram notificados sobre a verificação.
  • Havia um processo de apelação para contestar as classificações dos fact-checkers.
  • A Meta usava IA (inteligência artificial) para identificar conteúdos similares e aplicar as verificações de forma mais ampla.

O programa foi iniciado em 2016 em resposta às críticas sobre o papel do Facebook na disseminação de informações falsas durante a eleição presidencial dos EUA daquele ano.

Repercussão

☞ A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) disse em nota:

“O trabalho de agências e checadores é feito de forma criteriosa e segue regras de transparência e equilíbrio quando feito de acordo com princípios estabelecidos pela organização [internacional] IFCN (International Fact-Checking Network)”. 

“É importante frisar que os profissionais desse segmento não retiram conteúdo do ar. Eles seguem um método que busca apontar erros factuais e informações enganosas que podem causar dano ao direito dos cidadãos de receberem informações verificadas”.

☞ Diretora do IFCN (International Fact-Checking Network), Angie Holan publicou em sua conta no LinkedIn:

"Esta decisão prejudicará os usuários de mídias sociais que buscam informações precisas e confiáveis para tomar decisões sobre suas vidas cotidianas e interações com amigos e familiares. O jornalismo de checagem de fatos nunca censurou ou removeu postagens; ele adicionou informações e contexto a alegações controversas, e desmentiu conteúdos falsos e teorias da conspiração. Os verificadores de fatos usados pela Meta seguem um Código de Princípios que exige imparcialidade e transparência. É lamentável que esta decisão venha na esteira de uma pressão política extrema de uma nova administração e seus apoiadores. Os verificadores de fatos não foram tendenciosos em seu trabalho – essa linha de ataque vem daqueles que acham que deveriam poder exagerar e mentir sem refutação ou contradição."

☞ Secretário de Políticas Digitais da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República), João Brant publicou no LinkedIn:

Implementação

  • A Meta começará a implementar gradualmente as Notas da Comunidade nos Estados Unidos nos próximos meses.
  • Ainda não há informações sobre o Brasil (🇧🇷).
  • Não foi divulgada uma data específica para que a mudança chegue a outros países além dos EUA.
  • A empresa usará rótulos para notificar os usuários sobre informações adicionais relacionadas às publicações.

Veja o anúncio de Mark Zuckerberg no Instagram:


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