Lei do Mar: Câmara aprova projeto que trata da governança oceânica no Brasil

Texto cria uma série de diretrizes para proteção marinha. Ambientalistas consideram a proposta uma das mais relevantes para a preservação ambiental.

Lei do Mar: Câmara aprova projeto que trata da governança oceânica no Brasil
Ora aprovada na Câmara, Lei do Mar agora vai ao Senado / Imagem: Lance Asper/Unsplash
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A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (27.mai.2025) o PL (projeto de lei) 6.969/2013, conhecido como Lei do Mar. O texto tramitava há mais de 10 anos e, segundo ambientalistas, representa uma das mais importantes propostas para promoção da conservação dos oceanos.

A Lei do Mar estabelece a PNCMar (Política Nacional para a Gestão Integrada, a Conservação e o Uso Sustentável do Sistema Costeiro-Marinho), que cria uma série de diretrizes para proteção marinha.

A proposta, que tramitava em regime de urgência, cria um marco regulatório abrangente que harmoniza diferentes interesses econômicos, sociais e ambientais relacionados ao uso do espaço marinho brasileiro.

O avanço do projeto ocorre num contexto de emergência climática e a menos de 6 meses para a realização da COP30, maior encontro global para discutir as mudanças do clima. O evento será realizado em Belém (PA).

O que é a Lei do Mar e quais os seus objetivos

A Lei do Mar é uma iniciativa que estabelece diretrizes para a gestão integrada da zona costeira e marinha, sem criar novas proibições. Para isso, institui a PNCMar (Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro).

O objetivo central da proposta é promover o uso sustentável dos recursos oceânicos, garantindo que atividades como pesca, turismo, exploração de petróleo e energia renovável possam coexistir de forma equilibrada com a conservação ambiental.

Entre as principais inovações do projeto está a criação do PEM (Planejamento Espacial Marinho), uma ferramenta que organiza os setores de forma integrada, considerando o que a lei chama de "abordagem ecossistêmica" para gerir os recursos marinhos, considerando as múltiplas interações entre eles e o ambiente, assegurando a durabilidade dos ecossistemas.

Concessões para aprovação

Para buscar consenso e viabilizar a votação (e aprovação) do texto, o relator desistiu de incluir na lei normas do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) sobre APPs (áreas de preservação permanente) nas áreas costeiras.

Anteriormente, Gadêlha também retirou a proposta de criação do Fundo Mar com recursos de royalties do petróleo. Seria um mecanismo financeiro próprio para ações de proteção e pesquisa científica, sem custos adicionais para o governo.

Estrutura de governança

A lei estabelece um Conselho Gestor Interministerial que reunirá diferentes setores para planejar e executar políticas públicas voltadas para o mar. Este modelo de gestão compartilhada visa integrar os diversos órgãos governamentais, a sociedade civil, a iniciativa privada e outros atores relevantes.

Um aspecto dessa abordagem é o reconhecimento e a valorização do papel das comunidades tradicionais e pequenos pescadores que dependem diretamente do ecossistema marinho para sua subsistência.

Histórico e obstáculos para aprovação

A Lei do Mar passou por longo caminho legislativo desde a sua apresentação em 2013. Inicialmente proposto pelos então deputados federais Sarney Filho e Alessandro Molon, o texto foi rejeitado na Comissão de Agricultura em 2015.

O argumento principal para a rejeição foi que a proposta poderia criar dificuldades para exploração da atividade pesqueira e petrolífera no litoral brasileiro.

Após rejeição inicial, o projeto ganhou um novo texto, que foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente em 2017 e posteriormente passou por alterações na Comissão de Constituição e Justiça em 2021.

Desde 2018, a proposta tramitava em regime de urgência, mas ainda não tinha sido levada à votação no plenário da Câmara dos Deputados. Finalmente, foi –e aprovada em forma de substitutivo do relator, Túlio Gadêlha (Rede-PE).

Substitutivo é o nome que se dá ao texto que altera substancialmente o conteúdo original da proposta. É apresentado pelo relator e tem preferência sobre a proposta original na hora da votação. Ora aprovado, o projeto segue para análise do Senado.

Resistências setoriais

As dificuldades para aprovação do projeto de Lei do Mar estavam relacionadas a diversos fatores. Segundo o deputado Túlio Gadêlha, os principais entraves estiveram ligados à "falta de compreensão da importância da lei" e ao "medo de outros entes de perderem suas competências ou ter prejuízos financeiros".

Gadêlha mencionou em entrevistas que a Marinha inicialmente teve preocupação em perder a gestão que tradicionalmente exercia sobre os oceanos e a costa brasileira. A questão foi resolvida após ajustes no texto para garantir alinhamento com legislações internacionais e preservar as competências da instituição.

O setor da pesca industrial também teve resistência, com receios de que a lei pudesse proibir ou limitar suas atividades. No entanto, após esclarecimentos e ajustes no texto, entendeu-se que a lei poderia, na verdade, oferecer maior segurança jurídica para o setor e abrir novos mercados para produtos sustentáveis.

Outros setores econômicos com interesse na exploração marinha, como petróleo, energia eólica offshore e mineração em alto-mar, também expressaram preocupações iniciais. Foram necessários ajustes no texto para deixar claro que o objetivo não era prejudicar atividades econômicas, mas estabelecer parâmetros para que ocorram de forma segura e sustentável.

Contexto: importância estratégica da Lei do Mar

A aprovação da Lei do Mar ganha relevância no contexto global de crise climática e perda acelerada da biodiversidade. O oceano desempenha um papel essencial na regulação do clima, na manutenção da biodiversidade e no desenvolvimento econômico global.

Os oceanos são responsáveis por absorver grande quantidade de dióxido de carbono, ajudando a mitigar as mudanças climáticas, especialmente através dos chamados Carbonos Azuis.

(É da absorção de carbono da atmosfera que vem o aquecimento acelerado da temperatura dos oceanos, que tem causado efeitos como o branqueamento de corais. O fenômeno é ainda mais relevante se considerarmos que os recifes de corais abrigam cerca de 25% da biodiversidade marinha.)

No Brasil, ecossistemas costeiros e marinhos abrigam manguezais, recifes de coral, estuários, costões rochosos, dunas e restingas. Oferecem proteção natural contra eventos climáticos extremos, sustentam a biodiversidade e são essenciais para atividades econômicas como pesca e turismo. Mais de 4 milhões de famílias brasileiras dependem diretamente dos recursos marinhos para sua subsistência.

A proteção dos ecossistemas marinhos também desempenha papel importante para a segurança das populações costeiras frente aos impactos das mudanças climáticas. A elevação do nível do mar é outra consequência das mudanças climáticas e ameaça regiões costeiras e pequenos estados insulares.

Gestão integrada

A Lei do Mar estabelece instrumentos práticos para a gestão do espaço marinho, como planos de emergência e contingência para lidar com desastres ambientais.

  • Um exemplo: o derramamento de petróleo na costa brasileira em 2019. Se a lei já estivesse em vigor naquela época, haveria clareza sobre as responsabilidades de cada ente federativo, a forma correta de descartar o material contaminado e como envolver as comunidades locais no processo.

Desenvolvimento econômico sustentável

A Lei do Mar não proíbe ou impede atividades econômicas, mas estabelece parâmetros para que ocorram de forma sustentável. Busca promover a "economia azul", ou seja, atividades econômicas baseadas no oceano que sejam sustentáveis e contribuam para o desenvolvimento social.

Do ponto de vista internacional, a Lei do Mar pode ajudar o Brasil a cumprir a meta 14.5 dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), que prevê a conservação de pelo menos 10% das zonas costeiras e marinhas.

Além disso, a aprovação definitiva da lei ocorreria durante a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), iniciativa da ONU (Organização das Nações Unidas) que reconhece a urgência de medidas para proteger os oceanos.

A aprovação da Lei do Mar também ganha relevância adicional devido a 2 outros eventos internacionais: a Conferência da ONU sobre os Oceanos, prevista para 2025 (com organização de França e Costa Rica), e a realização da COP30 no Brasil, também em 2025.


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