Fux vota para absolver Bolsonaro: o fato, por que isso importa e o que vem agora?
Ministro falou em "incompetência" completa do STF para julgar o caso, o que reforça debate sobre o foro privilegiado. Entenda.

O fato essencial
O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), absolveu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta quarta-feira (10.set.2025) de todas as acusações sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado.
O julgamento ocorre na Primeira Turma do STF, formada por 5 ministros, e o voto de Fux teve quase 13 horas de duração.
Fux absolveu totalmente Bolsonaro e outros 6 réus dos 5 crimes imputados pela PGR (Procuradoria-Geral da República). Manteve só as condenações de 2 réus:
- Tenente-coronel Mauro Cid, delator da chamada "trama golpiusta" e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; e
- General Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e candidato a vice na chapa com Bolsonaro na eleição de 2022.
Ambos foram condenados por 1 único crime: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Pontos-chave do voto
Incompetência e cerceamento
Fux disse que o STF era "incompetente" para julgar o caso. Ou seja, o julgamento deveria ocorrer em 1ª instância –e não na Suprema Corte, de acordo com o ministro.
Para Fux, mesmo que ficasse entendido que o julgamento deveria ocorrer no STF, isso deveria ser feito pelo plenário (formado por 11 ministros), e não pela Primeira Turma (composta por 5 magistrados).
O ministro alegou que os acusados já haviam deixado seus cargos no momento de cometimento do suposto crime, por isso o foro privilegiado não se aplicaria.
Ele também acolheu preliminar de cerceamento de defesa, dizendo que houve entrega tardia e desorganizada de um volume massivo de dados à defesa (70 terabytes).
Cogitação x execução
Fux sustentou que Bolsonaro apenas cogitou medidas excepcionais ou reuniu-se com aliados, mas não cometeu ato executório que viesse a materializar um golpe ou abolição do regime.
Fux argumentou que o “simples planejamento” não caracteriza crime e que discursos e críticas ao sistema eleitoral não constituem tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
De acordo com Fux, não há provas de que Bolsonaro soubesse de um plano chamado "Punhal Verde Amarelo", cujo arquivo foi apreendido pela PF (Polícia Federal).
O ministro também citou uma minuta golpista, que foi apreendida durante as investigações. O documento previa a decretação de estado de sítio para suspender a sucessão eleitoral. O texto foi discutido com chefes militares em reuniões no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência.
"Se é minuta, é mera cogitação, jamais poderia se afirmar que houve execução. O estado de sítio depende de prévia autorização do Congresso Nacional", disse Fux.
Contradições do voto
Os argumentos do ministro foram ainda mais longe do que aqueles mencionados pelos próprios advogados de Bolsonaro, já que contestou provas que nem mesmo a defesa havia questionado.
O voto também expôs contradição entre decisões anteriores do próprio Fux. Exemplo: ele acompanhou Moraes na condenação de pessoas que participaram dos atos de 8 de janeiro de 2023. Foram julgamentos colegiados do STF.
Portanto, se agora Fux contesta a competência do STF para julgar esses crimes, anteriormente o próprio magistrado assumiu a possibilidade de condenação pela Corte.

Por que isso importa?
Embora os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino tenham votado pela condenação de todos os réus –e mesmo que os demais ministros da Turma (Cármen Lúcia e Cristiano Zanin) acompanhem a corrente condenatória–, o voto de Fux abre precedente para contestações futuras.
Dada a divergência técnica, Fux abriu caminho para recursos judiciais, como embargos infringentes, e para questionamentos sobre competência, foro e judicialização de supostos atos políticos.
O julgamento também reflete a divisão dentro do STF, assim como reforça a falta de unidade sobre os limites legais do foro privilegiado. (*Detalhes abaixo.)
O entendimento de Fux enfraquece a acusação contra figuras centrais da chamada "trama golpista" e inflama o debate sobre a responsabilização da suposta tentativa de golpe de Estado, além do que vinha sendo o eixo central das discussões, que era a "dosimetria da pena".
Ou seja, o principal foco de debate era o tamanho da punição para cada condenado pela tentativa de golpe de Estado. Isto é, a duração das penas. Agora, discute-se com mais contundência se houve, de fato, cometimento de crime.
O que vem agora?
O julgamento continua nesta quinta-feira (11.set). Na ordem, os próximos a votar são a ministra Cármen Lúcia e o ministro Cristiano Zanin. Ambos devem incluir "recados" em contraposição ao discurso de Fux durante seus votos.
A tendência é que ambos votem pela condenação dos réus. Dessa forma, Fux seria voto vencido por 4 a 1. Neste caso, Bolsonaro e outros réus seriam condenados, mas cabendo recurso.
Isso porque, após o julgamento, as defesas poderão apresentar embargos infringentes. Isso ocorre quando a decisão não é unânime, sendo possível revisitar aspectos centrais como competência e mérito.

Trajetória de Luiz Fux até o STF
Luiz Fux nasceu no Rio de Janeiro, em 1953. Formou-se em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde também construiu sólida carreira acadêmica como professor de Direito Processual Civil.
Antes de chegar ao Supremo Tribunal Federal, percorreu uma longa trajetória na magistratura: ingressou como juiz estadual em 1983, tornou-se desembargador do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) e, posteriormente, ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), cargo que ocupou de 2001 a 2011.
Reconhecido pelo perfil técnico e pela dedicação ao ensino jurídico, Fux também participou da elaboração do novo Código de Processo Civil, reforçando sua imagem de jurista ligado à área processual. Em 2011, foi indicado pela então presidente Dilma Rousseff (PT) para uma vaga no STF.
Quais os argumentos para julgar Bolsonaro no STF, mesmo sem foro privilegiado?
1. Conexão com fatos ocorridos no exercício do mandato
Se os crimes investigados foram cometidos durante o mandato presidencial, em razão da função ou usando a estrutura do cargo, pode-se argumentar que a competência permanece no STF, para garantir unidade processual e evitar julgamentos fragmentados em diferentes instâncias.
2. Risco de decisões conflitantes em instâncias inferiores
Como Bolsonaro responde a múltiplos inquéritos relacionados a temas conexos (ex.: tentativa de golpe, manipulação das Forças Armadas, ataques ao sistema eleitoral), manter a competência no STF evita que tribunais de 1ª instância diferentes cheguem a decisões contraditórias.
3. Interesse direto da Suprema Corte
Muitos inquéritos que envolvem Bolsonaro tratam de ataques ao próprio STF, ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e à democracia brasileira. Por isso, há quem sustente que isso justifica o julgamento na Corte, pois atinge diretamente sua autoridade institucional.
4. Precedentes de foro por 'simetria'
O STF já entendeu em alguns casos anteriores que, quando há coautores ou corréus com foro privilegiado, todos devem ser julgados na mesma instância. Ou seja: se generais, ministros ou congressistas com foro estão envolvidos, Bolsonaro e outros réus devem ser arrastados para o STF por conexão. Esta situação se aplica ao processo atual.
5. Economia processual e segurança jurídica
Como muitos dos inquéritos contra Bolsonaro já estão adiantados no STF, transferi-los para a 1ª instância poderia atrasar a tramitação, gerar nulidades e enfraquecer a efetividade das investigações.
6. Interpretação excepcional da prerrogativa de função
Embora a regra seja a perda do foro ao sair do cargo, pode-se argumentar que um ex-presidente da República merece tratamento diferenciado, dado o impacto político e institucional de seus atos, sobretudo quando envolvem ameaça ao Estado democrático de direito.
Argumentos para que o processo desça de instância
1. Regra constitucional e decisão do STF (2018)
Em 2018, o STF restringiu o foro privilegiado de deputados e senadores: só vale para crimes cometidos durante o mandato e em razão dele. Por analogia, a mesma lógica se aplicaria a presidentes e ex-presidentes. Se não há mais cargo, não há foro.
2. Igualdade perante a lei
Manter o julgamento no STF poderia ser visto como tratamento especial indevido, contrariando o princípio da isonomia. Ex-presidentes deveriam ser julgados como qualquer cidadão comum quando deixam o cargo.
3. Competência natural do juiz de 1ª instância
A Constituição e o Código de Processo Penal estabelecem que a regra geral é o julgamento pela 1ª instância. O foro privilegiado é exceção e deve ser interpretado restritivamente.
4. Separação entre mandato e vida privada
Uma vez encerrado o mandato, os atos da vida privada do ex-presidente (mesmo que relacionados ao período anterior) devem ser apurados por juízes comuns. A prerrogativa é funcional, não pessoal nem vitalícia.
6. Precedentes de perda do foro após o cargo
Há casos de governadores, ministros e parlamentares que perderam o foro assim que deixaram os cargos. Por essa lógica, há quem argumente que o mesmo raciocínio deveria valer para presidentes, para não criar uma exceção.
7. Risco de politização do STF
Argumenta-se que o Supremo, se continuar a julgar Bolsonaro sem que ele tenha mandato, estaria "politizando" suas decisões. Consequentemente, correria o risco de enfraquecer sua legitimidade diante de parte da sociedade.
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Author

Jornalista e empreendedor. Criador/CEO do Correio Sabiá. Emerging Media Leader (2020) pelo ICFJ. Cobriu a Presidência da República.
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