'Derretimento da Antártida é imparável', diz diretor da Agenda Antártica

Horacio Werner participou de evento sobre segurança e clima no Rio de Janeiro. Como ponto positivo, ressaltou a capacidade de cooperação e o acordo de paz entre os países para tornar a Antártida num espaço de ciência.

'Derretimento da Antártida é imparável', diz diretor da Agenda Antártica
À esquerda, diretor da Agenda Antártida em painel na Conferência de Segurança Internacional do Forte / Imagem: Maurício Ferro/Correio Sabiá
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Diretor-executivo da Agenda Antártica, Horacio Werner declarou nesta terça-feira (10.jun.2025) que as pessoas "não precisam ir à Antártida, porque nas próximas décadas a Antártida irá até elas". A declaração é uma referência ao degelo do continente, que é "imparável", ocorre pelas mudanças climáticas e tem a elevação do nível do mar como um dos seus efeitos.

"O derretimento da Antártida é imparável. A questão é em que velocidade e quando isso nos impactará. Mas não há como pará-lo", disse Werner durante a XXII Conferência de Segurança Internacional do Forte, realizada no Hilton Hotel, em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro.

Como parte da imprensa, o Correio Sabiá esteve presente no evento, que promoveu mesas de diálogo com participantes multidisciplinares de diferentes países, na interseção entre segurança e clima. O tema deste ano foi "Beyond the tipping points".

A iniciativa foi organizada pela Fundação Konrad Adenauer, pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) e pela Representação da União Europeia no Brasil.

Veja abaixo uma das declarações de Horacio Werner, a partir do Instagram do Ocean (@ocean.correiosabia), projeto do Correio Sabiá para promover educação oceânica. (*O discurso completo está mais abaixo.)

'Sem a Antártida, não há Amazônia', diz Horacio Werner

A seguir, em itálico, todo o discurso de Horacio Werner, que teve duração aproximada de 10 minutos:

A Antártida está sob um Tratado da Antártida assinado por 12 países em 1959 e iniciado em 1961. Esses países concordaram inicialmente que a Antártida seria um território exclusivamente para a paz e a ciência.

Portanto, nenhuma atividade extrativista, nenhuma atividade militar ou qualquer outra atividade não especificamente relacionada à ciência são permitidas.

Antártida tem o dobro do tamanho da Europa e abrange 7% da superfície da Terra / Imagem: James Rathmell/Unsplash

O Tratado é muito claro e eficaz em esclarecer quais atividades podem ou não ser realizadas e como a ciência é compartilhada.

Agora, qual a relevância da Antártida em tudo isso? Para aqueles de nós que estudaram geografia há alguns anos, a Antártida tem o dobro do tamanho da Europa. Ela abrange 7% da superfície da Terra e 80% de sua água é doce.

Por outro lado, [a Antártida] é fundamental para vários aspectos centrais de nossas vidas. O 1º, eu diria, é a regulação do impacto das mudanças climáticas.

Como muito se fala, as mudanças climáticas não são geradas na Antártida, mas talvez ela seja a 1ª vítima e a que mais nos impactará.

Considere que, na Antártida, a temperatura da água e a temperatura do ar, por exemplo, são reguladas pela camada de gelo. A temperatura do solo é controlada pela refração no gelo, a extração de carbono é regulada e o nível do mar também é influenciado por essa camada. Com isso, temos um coquetel de fatores que nos permite antever os problemas que enfrentaremos.

A Antártida hoje enfrenta de fato diversas situações e desafios. Um deles –o maior– é a mudança climática, e há 3 outros que poderíamos mencionar: poluição/contaminação, pesca e turismo. Vamos nos concentrar na mudança climática.

Infelizmente, a evolução da mudança climática, que não está ocorrendo na Antártida, desencadeou um processo imparável.
Em outras palavras, o derretimento da Antártida é imparável. A questão é em que velocidade e quando isso nos impactará. Mas não há como pará-lo.

Deixe-me dizer rapidamente que a grande diferença entre o Ártico e a Antártida, além das Ursas e dos Pimuinos –Ursas ao norte e Pimuinos ao sul– é que o Ártico não é um continente; o Ártico é um acúmulo de gelo flutuando no mar. O que isso faz é que, quando esse gelo derrete, há muitas consequências, como a abertura de novas rotas comerciais e conflitos, mas isso não eleva o nível do mar.

A Antártida, com o dobro do tamanho da Europa, tem uma camada de gelo de 3.000 metros de altura em toda a sua superfície. Isso significa que se o gelo recuasse, o nível do mar subiria quase 60 metros.

Acreditamos que isso não acontecerá, mas vamos um pouco mais além. O processo que a Antártida já convencionou –e isso é por consenso, porque a Antártida é um modelo de consenso– estima que, apesar de todas as dificuldades científicas que isso acarreta, o nível do mar subirá 1,4 metro até o final do século.

Território antártico é regulado pelos países, por Tratado global, para ser uma área exclusivamente voltada à ciência / Imagem: Derek Oyen/Unsplash

Agora, vamos falar de recursos, vamos falar de costas, vamos falar de 1 bilhão de americanos, 1 bilhão de pessoas, que terão que ser deslocadas de suas casas atuais nos próximos 100 anos. Embora 2.100 sejam 2.120. É isso que estamos enfrentando. Estamos enfrentando a salinização dos aquíferos de água doce nas costas dos países, e aqui nos encontramos diante de uma grande ameaça à paz. Imagine o conflito nos vários países, com riquezas diversas, geografias diversas, que deslocará todas essas pessoas.

Eu disse que isso é uma má notícia, e há clichês muito válidos, como, por exemplo, sem a Antártida, não há Amazônia. Infelizmente, a circunstância é que a temperatura da Terra é regulada pela Antártida, e da Antártida, nós, em última análise, regulamos as chuvas, as secas e essas circunstâncias.

Então, qual é a mensagem positiva? Eu sei que há algumas, vou deixar algumas positivas. Uma é a percepção de que o tempo de esperança para a Antártida e o Atlântico Sul já passou. Não estamos nessas circunstâncias, e espero que isso não aconteça. Já está acontecendo.

Agora, o que isso nos deixa? Coragem e inovação. E aqui estamos falando de recursos, estamos falando de um recurso central, que é o acesso aos recursos e recursos humanos da Antártida.

Nessa circunstância de esperança e coragem, estamos trabalhando globalmente, esta semana na Cúpula Mundial dos Oceanos, na OEA, com o presidente Lula, trabalhando para proteger 30% dos oceanos até 2030.

A criação de áreas marinhas protegidas, atividades de trabalho para entender como sobreviver em climas hostis, a inovação gerada na Antártida nos permite pensar em como viver o futuro do planeta, todas as questões de resistência, de resiliência costeira –e isso é central para o que hoje é uma corrida que se abriu com falsas narrativas de que a Antártida é um aglomerado de recursos energéticos a serem buscados.

Há uma narrativa que diz: "Vamos procurar petróleo, vamos nos apressar, vamos chegar lá antes dos outros países". Bem, a realidade é que (...) o Tratado é estável, e este é o outro aspecto positivo do mundo antártico.

O Tratado da Antártida é o Tratado de Paz. O Tratado da Antártida é o mais bem-sucedido da história da humanidade, e é muito importante que saibamos disso, porque é uma das coisas que devemos proteger.

É um exemplo de que o mundo pode colaborar em algo tão sensível como isso; é onde podemos construir uma imagem e é onde podemos de alguma forma conter essa loucura da destruição da ordem mundial.

Portanto, o que proponho, a partir dessa perspectiva mais esperançosa, é que pensemos na paz como uma construção coletiva, feita de diferentes partes ou módulos. Um desses módulos pode ser representado pela Antártida — um lugar central e, infelizmente, muitas vezes negligenciado em nosso mundo. Precisamos nos esforçar para dar visibilidade a esse exemplo e, por que não, tomá-lo como fonte de inspiração?

Se conseguimos manter a Antártida em equilíbrio, por que não poderíamos buscar esse mesmo equilíbrio e bem-estar em outras partes do planeta?

Author

Maurício de Azevedo Ferro
Maurício de Azevedo Ferro

Jornalista e empreendedor. Criador/CEO do Correio Sabiá. Emerging Media Leader (2020) pelo ICFJ. Cobriu a Presidência da República.

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