Coral-sol: dados indicam estagnação na dissipação da espécie em Arraial do Cabo
Temperatura gelada da água seria a causa para a desaceleração na dispersão da espécie
 
    Dados levantam dúvidas sobre o impacto do coral-sol em Arraial do Cabo
O coral-sol, espécie invasora que se espalha pelo litoral brasileiro desde os anos 1980, domina costões e áreas de mergulho, principalmente, em Angra dos Reis, no estado do Rio de Janeiro. Já em Arraial do Cabo, outro município do mesmo estado, onde também há registros do coral-sol, houve estagnação do alastramento da espécie e ainda existem dúvidas sobre a dimensão do seu impacto na biodiversidade marinha e na vida das comunidades que dependem do oceano.
Para a bióloga e pesquisadora Daniela Batista, associada ao IEAPM (Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira), Arraial do Cabo não chega nem a ser exatamente um problema em termos de dispersão do coral-sol.
Em 2017, ela mapeou a distribuição da espécie na Baía de Arraial do Cabo, com intuito de comparar com Angra dos Reis, quando foi identificada pela 1ª vez numa plataforma de petróleo. A descoberta: a dispersão estava sob controle.
"Mais ou menos em meados de 2000, o coral-sol foi visto já no ambiente natural em Angra dos Reis [e não apenas nas plataformas de petróleo]. E, praticamente na mesma época, acharam [coral-sol] aqui [em Arraial] também. Os anos foram passando, e lá em Angra o coral-sol foi dominando. Há vários artigos mostrando que ele expandiu cerca de 2 km por ano, e começaram a publicar vários artigos falando de impacto do coral-sol na biota nativa. E aqui em Arraial, quando fiz o mapeamento, a gente já viu um padrão diferente. Ele não se espalhou tanto quanto lá em Angra dos Reis", resumiu a pesquisadora.
Coral-sol: fraqueza a águas mais frias
Uma das principais hipóteses para o controle do coral-sol em Arraial do Cabo é a temperatura gelada da água:
"A gente viu que, devido a essa influência da ressurgência* de água muito fria, que é abaixo de 12,5°C, o coral-sol morre."

Impacto do coral-sol tem limitações, reforça professor
Apesar da percepção de ameaça imediata, parte da comunidade científica fala que o impacto do coral-sol na biodiversidade marinha nem se compara a outros fatores, como diferentes tipos de poluição (plásticos, petróleo, etc.) e a sobrepesca.
O professor Carlos Eduardo Leite Ferreira, associado ao Departamento de Biologia Marinha da UFF (Universidade Federal Fluminense) e coordenador do LECAR (Laboratório de Ecologia e Conservação em Ambientes Recifais), declarou:
“A tendência dessas espécies exóticas no mar não é causar extinção [das outras], mas sim competir por espaço, diminuir outras espécies e depois se acomodar.”
“Cadu”, como é conhecido, falou que o coral-sol tende a não criar problemas para comunidades pesqueiras, tanto em Arraial do Cabo quanto em outros biomas:
“Não vai atrapalhar quase nada. O que realmente ameaça as comunidades pesqueiras é a superexploração e a poluição. A espécie exótica não é a principal causa da falta de peixe.”
A sobrepesca é um ponto central no argumento do professor:
“O problema é a superexploração. Em inglês, a gente chama de overfishing. Já acontece há 50, 100 anos, somado à poluição e à perda de habitat.”
Embora considere importante fazer pesquisas e monitoramento de espécies invasoras, Cadu disse que o foco excessivo no coral-sol pode até desviar a atenção de questões estruturais que, na sua visão, são mais relevantes.
“Estamos perdendo bastante tempo com isso e esquecendo dos principais impactos: exploração e poluição. A espécie exótica é o que menos importa.”
Monitoramento do coral-sol desperta interesse da indústria
Para a bióloga Daniela Batista, que fala na estagnação da expansão do coral-sol em Arraial do Cabo, a indústria tende a ser a mais impactada por espécies invasoras.
"É difícil falar exatamente qual é o real impacto [do coral-sol], mas o fato é que a gente já vê impactos na área da indústria", disse.
Clique para ver exemplos de como espécies invasoras causam impactos em diferentes âmbitos
De acordo com Daniela Batista, foi a própria validação de que o coral-sol impacta a indústria que embasou a criação de uma iniciativa de monitoramento de espécies invasoras com visão computacional (*que será detalhada no próximo conteúdo desta série).
"Eu falei: 'E se a gente usar a inteligência artificial para poder tentar identificar o coral no vídeo? Vai fazer uma grande diferença, né? Vai otimizar muito o tempo do consultor que faz esse tipo de trabalho.'" E a gente acabou usando Arraial do Cabo como um estudo de caso. Pegamos os vídeos daqui, as imagens, para poder aplicar a nível nacional mesmo", contou.
Então, o coral-sol causa algum problema?
Autora de um projeto que usa visão computacional e machine learning para identificar coral-sol, a bióloga Ana Carolina Luz, que pesquisa a espécie no IEAPM (Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira), vinculado à Marinha brasileira, explicou em entrevista ao Correio Sabiá:
“O coral-sol é uma espécie oportunista, que disputa espaço e alimento com outros corais e espécies associadas ao substrato. Ele se fixa, se reproduz e domina essas áreas. (...) Monopoliza o costão, se fixa nesses locais e passa a disputar esse espaço. A comunidade bentônica é a mais afetada.”
Portanto, o coral-sol faz com que as espécies nativas que vivem fixadas no fundo do mar (como algas, esponjas, corais nativos e invertebrados) tenham menos espaço e recursos disponíveis. A alteração desse equilíbrio afeta a dinâmica ecológica e reduz a diversidade local.
"Estudos mostram que esse bioinvasor tem sido responsável pela modificação das comunidades bentônicas de costões rochosos na região de Ilha Grande, Rio de Janeiro, e em recifes de coral na Bahia, reduzindo a abundância das macroalgas. Entretanto, foi observado um aumento da riqueza da diversidade de espécies onde Tubastraea estava presente. O aumento na diversidade poderá acarretar na diminuição das interações competitivas e consequentemente na redução da abundância das espécies competidoras", explicou o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), órgão brasileiro de fiscalização ambiental.
O próprio Ibama publicou em 2019 o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Coral-sol (Tubastraea spp.) no Brasil, que já havia sido viabilizado por uma norma de 2018.
O Ibama reforçou que "as perspectivas do impacto a ser causado pelo coral-sol incluem a expansão da área de distribuição em substrato natural em uma velocidade aproximada de 2 km/ano".
O órgão de fiscalização ambiental deu o seguinte panorama sobre a presença do coral-sol no Brasil:
A expansão da área de invasão do coral-sol pode ocorrer por meio do recrutamento gregário da espécie, de correntes marinhas, do transporte em pequenas embarcações sem tratamento e de baixa mobilidade, ou pela colonização de substratos naturais a partir de vetores próximos à costa, incluindo áreas protegidas.
Nesse cenário, sistemas recifais, como o Banco de Abrolhos e a Costa dos Corais, tornam-se extremamente vulneráveis, o que destaca a importância de estudos nesses e em outros sistemas recifais brasileiros.
Não existe estudo que confirme que a ampliação da distribuição das populações de T. coccinea tenha ocorrido às custas da exclusão de qualquer espécie nativa.
Existe a possibilidade de haver nichos disponíveis no ecossistema que Tubastraea poderia ocupar com eficiência. Também há a questão dos danos ou perdas de espécies nativas no Atlântico Ocidental causados pela invasão de T. coccinea.
Faltam dados sobre seu impacto, exceto quanto à cobertura e ao potencial de monopolização do espaço bentônico.

Alcatrazes revela limites do controle do coral-sol no Brasil
Ao longo de uma década, o Arquipélago de Alcatrazes, em São Sebastião (SP), tornou-se um laboratório natural para o manejo do coral-sol (Tubastraea spp.), um dos mais agressivos invasores marinhos do Atlântico Sul. Estudo publicado na revista Marine Pollution Bulletin revela que, desde 2014, cerca de 1,3 milhão de colônias –o equivalente a 12 toneladas– foram removidas das ilhas e costões do Monumento Natural Marinho do Arquipélago dos Alcatrazes, uma unidade de proteção integral. Apesar do esforço, os cientistas cunharam a expressão “short blanket” (cobertor curto) para descrever o dilema: controlar o invasor em um ponto frequentemente significa ver o avanço em outro.

Uma das principais dificuldades no controle do coral-sol é que, mesmo pequenos fragmentos de coral podem dar origem a novos indivíduos. Isto dificulta a sua erradicação completa –e cada coral-sol pode produzir até 3 mil larvas em um único evento reprodutivo.
Inclusive, é por isso que a remoção do coral-sol deve ser evitada em períodos reprodutivos. Mesmo que bem-intencionada, a iniciativa pode ter efeito oposto ao desejado. Isso porque a espécie conseguiria gerar novos indivíduos até mesmo a partir de fragmentos.
Além disso, o coral-sol adere facilmente a rochas, recifes e barcos, facilitando sua dispersão. A extração manual, que é o método mais utilizado atualmente, é trabalhosa, cara e exige treinamento. Segundo o estudo da Marine Pollution Bulletin, cada dia de combate ao coral-sol custa cerca de US$ 720. O total entre 2015 e 2023 chega a US$ 160 mil.
Entre 2014 e 2023, o manejo concentrou-se em apenas 3 áreas prioritárias. A partir de 2021, com o aperfeiçoamento das técnicas –inclusive o uso de brocas pneumáticas para remoção de colônias aderidas ao substrato– e com o monitoramento mais sistemático dos focos de invasão, houve aumento na taxa de controle. No entanto, os resultados variam conforme o ponto do arquipélago: enquanto alguns locais se mantêm livres da espécie por até um ano após a intervenção, outros voltam a apresentar crescimento populacional em apenas seis meses.

O estudo destaca que o manejo adaptativo foi essencial para ajustar as estratégias de campo e administrar recursos limitados. A integração entre monitoramento e remoção permitiu traçar protocolos mais realistas para cada área, considerando a intensidade da invasão e o esforço aplicável. Os autores argumentam que, em cenários de restrição orçamentária, não é possível aplicar o mesmo grau de controle em todo o arquipélago, tornando inevitável a priorização de locais mais vulneráveis ou ecologicamente sensíveis.
A experiência de Alcatrazes, segundo os pesquisadores, expõe os desafios enfrentados por gestores de áreas marinhas no Brasil e em outros países tropicais. Como a erradicação completa é inviável, o sucesso depende da capacidade de adaptação contínua, do engajamento de equipes locais e da manutenção de investimentos de longo prazo. O caso reforça a urgência de políticas públicas específicas para bioinvasões marinhas, um dos vetores de degradação ambiental mais subestimados nos oceanos brasileiros.
Visão geral
Facilidade de adaptação, diferenças de temperatura da água e quantidade de larvas liberadas em período reprodutivo. Todos estes são fatores que influenciam a dispersão (ou não do coral-sol), assim como demonstram a complexidade do debate sobre esta espécie invasora.
De um lado, mergulhadores –e a própria reportagem do Correio Sabiá, que fez mergulhos de cilindro em Arraial do Cabo– testemunham a tomada de espaço por colônias invasoras e a alteração da paisagem marinha, que desafia a gestão de áreas de proteção. De outro lado, cientistas ponderam que o impacto tem limitações no longo prazo.
Ainda assim, a legislação brasileira reconhece o coral-sol como uma das principais espécies invasoras marinhas. E a solução, como pesquisadores defendem, passa pelo reforço das atividades de monitoramento.
Autor
 
    Jornalista e empreendedor. Criador/CEO do Correio Sabiá. Emerging Media Leader (2020) pelo ICFJ. Cobriu a Presidência da República.
Inscreva-se nas newsletters do Correio Sabiá.
Mantenha-se atualizado com nossa coleção selecionada das principais matérias.


 
    