Artigo: ‘O que explica a neutralidade de Israel no conflito Rússia-Ucrânia‘
Artigo: ‘O que explica a neutralidade de Israel no conflito Rússia-Ucrânia‘
De 9,5 milhões de cidadãos em Israel, cerca de 1,5 milhão são de origem russa; e 500 mil, origem ucraniana
*Por Henry Galsky, de Israel
O canal público israelense Kan revelou que o primeiro-ministro do país, Naftali Bennett, teria recusado o pedido do presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy, de envio de ajuda militar. Bennett se comprometeu a mandar ajuda humanitária à Ucrânia. Antes disso, Bennett conversou com o presidente russo, Vladimir Putin, a quem ofereceu mediação no conflito.
Como escrevi, a ideia de realizar um encontro entre delegações dos 2 países em Jerusalém partiu do governo ucraniano. De acordo com a imprensa israelense, Putin ouviu a oferta, mas não teria se mostrado animado com a possibilidade.
- Financie o nosso jornalismo independente. Precisamos de você para continuar produzindo um material de qualidade.
Israel faz esforços para conseguir manter a neutralidade no conflito, em boa medida pelos motivos sobre os quais escrevi anteriormente. O governo de Jerusalém chegou mesmo a recusar a solicitação da administração do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, para apoiar uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que condenava a invasão russa. 81 países assinaram o texto da resolução como copatrocinadores, mesmo sem direito a voto no Conselho.
No entanto, a situação mudou em relação a esse ponto. Israel apoiará a resolução da Assembleia-Geral da ONU condenando a Rússia pela invasão à Ucrânia, de acordo com um oficial do governo israelense ouvido pelo jornal Times of Israel.
No final, a partir do prosseguimento do conflito, Israel irá pender para o eixo ocidental liderado pelos EUA. Mas Bennett prefere não ter de chegar a este ponto, não apenas em função do papel que a Rússia hoje exerce no Oriente Médio (com suas Forças Armadas em atuação na Síria diretamente), mas também por razões domésticas relacionadas à sociedade israelense e à fragilidade política do atual governo.
A coalizão liderada por Naftali Bennett se estabeleceu há pouco tempo, em junho do ano passado. Dos 120 assentos do Knesset, o parlamento do país, o governo é sustentado pela margem mínima de 61 parlamentares. O partido de Bennett, o Yamina, conquistou apenas sete cadeiras.
Após quatro eleições em dois anos, uma frágil coalizão de legendas de diversos campos ideológicos foi formada reunindo oito partidos (de esquerda, de direita, de centro e um partido árabe). Bennett diz abertamente que seu governo precisa se concentrar sobre os assuntos práticos sobre os quais é capaz de alcançar consenso. Discussões ideológicas poderiam marcar o fim do governo, levando à convocação de novas eleições.
Por mais que a situação estratégica de Israel em relação às tentativas de estabelecimento iraniano na Síria (e a consequente realização dos ataques sobre o país vizinho) sejam conhecidas pelo governo, Bennett prefere não arriscar desagradar a Moscou. Até porque, é importante dizer, o posicionamento público de Israel sobre o assunto não afeta diretamente o andamento da guerra.
No entanto, se o conflito se ampliar e, por exemplo, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) se envolver, Israel vai precisar se decidir. E aqui há informações de que, se for inevitável, o governo israelense irá se manifestar a favor da Otan e dos norte-americanos –em razão, claro, das relações bilaterais entre Jerusalém e Washington e de sua aliança estratégica.
Ao mesmo tempo, é importante mencionar alguns elementos internos relevantes, inclusive na própria coalizão israelense. Um dos partidos que dão sustentação ao governo é o Yisrael Beytenu, fundado em 1999 por Avigdor Lieberman, atual ministro das Finanças e que já ocupou cargos importantes em diversos governos. O partido foi criado como uma legenda de que seria a voz dos imigrantes dos países da ex-União Soviética. Hoje o partido apresenta bandeiras mais amplas, mas ainda assim tem essa população como eleitorado relevante.
O Yisrael Beytenu tem 7 cadeiras no Knesset. De seus 7 representantes no Parlamento, uma nasceu na Rússia (Elina Bardach Yalov) e 3, na Ucrânia: Alex Kushnir, Yulia Malinovsky e Evgeny Sova.
7 cadeiras é uma quantidade relevante, considerando-se especialmente as informações já mencionadas: uma coalizão de maioria mínima formada por 8 partidos distintos e que basicamente se uniram tão somente em torno do interesse comum de impedir que Benjamin Netanyahu permanecesse como primeiro-ministro.
A influência das comunidades russa e ucraniana em Israel é expressa em números grandiosos vinculados à história dos judeus ao longo dos séculos – particularmente, os acontecimentos marcantes do século 20. Até o início da Segunda Guerra Mundial, mais de 1,5 milhão de judeus viviam no que é hoje a Ucrânia. A estimativa é que um milhão tenha morrido no Holocausto. Na União Soviética, viviam cerca de três milhões de judeus até 1939.
Com o colapso da bloco, já sob a liderança de Mikhail Gorbachev, os judeus puderam deixar o país. Muitos vieram para Israel. Hoje, do total da população israelense de cerca de 9,5 milhões de cidadãos, cerca de 1,5 milhão é de origem russa; e em torno de 500 mil têm origem ucraniana.
É improvável que o conflito atual cause distúrbios internos em Israel, mas as manifestações de apoio à Ucrânia têm recebido grande adesão, inclusive com a participação de milhares de pessoas em Tel Aviv. Seja como for, todos esses elementos são levados em consideração pelo governo israelense.
Leia os outros textos de Henry Galsky no Correio Sabiá:
- 26.fev.2021 – Artigo: ‘Posição de Israel sobre guerra na Ucrânia‘
- 24.fev.2022 – Artigo: ‘Um olhar inicial sobre a invasão à Ucrânia‘
- 24.fev.2022 – Artigo: ‘Não se pode estabelecer maniqueísmos na crise entre Ucrânia e Rússia‘
- 14.fev.2022 – ‘A paciente estratégia de Putin’
- 05.fev.2022 – ‘Em Israel, combate ao covid também envolve questões políticas’
- 27.jan.2022 – ‘Putin considera hora reconhecimento internacional’
Assobio: o conteúdo deste artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Correio Sabiá, que apenas abriu este espaço para o debate de ideias. Portanto, todo o material textual e visual, bem como as informações e juízos de valor aqui contidos, são de inteira responsabilidade do(s) autor(es). Para propor um artigo ao Sabiá, entre em contato: redacao@correiosabia.com.br
Apoie nossos voos
Fazemos um trabalho jornalístico diário e incansável desde 2018, porque é isso que amamos e não existe nada melhor do que fazer o que se ama. Somos movidos a combater a desinformação e divulgar conhecimento científico.
Fortalecemos a democracia e aumentamos a conscientização sobre a preservação ambiental. Acreditamos que uma sociedade bem-informada toma decisões melhores, baseadas em fatos, dados e evidências. Empoderamos a audiência pela informação de qualidade.
Por ser de alta qualidade, nossa operação tem um custo. Não recebemos grana de empresas, por isso precisamos de você para continuar fazendo o que mais gostamos: cumprir nossa missão de empoderar a sociedade civil e te bem-informado. Nosso jornalismo é independente porque ele depende de você.
Apoie o Correio Sabiá. Cancele quando quiser.