Artigo: 'O que representa o encontro entre Irã, Rússia e Turquia'
Artigo: ‘O que representa o encontro entre Irã, Rússia e Turquia’, escreve Henry Galsky
Cada um dos países presentes pretende reforçar posições internacionais próprias a partir da aliança
*Por Henry Galsky, de Israel
O encontro entre os líderes de Irã, Rússia e Turquia realizado em Teerã (capital do Irã), no chamado Processo de Astana, carrega em si uma mensagem óbvia: os 3 países pretendem colocar em prática uma visão própria do mundo e das relações internacionais que desafia a ordem estabelecida pelas potências ocidentais –da Europa e, em especial, dos estados Unidos.
Para “começar do começo”, é importante dizer que o Processo de Astana foi lançado em 2017 a partir do objetivo declarado por esses 3 países que, como discurso oficial, diziam buscar uma solução para a guerra civil síria.
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Sim, há ainda uma guerra civil em curso na Síria, mas que, em virtude de um profundo olhar desinteressado por parte da comunidade internacional, não recebe lá grande atenção. Mas nunca é demais lembrar que este conflito ainda em curso (e que se arrasta desde março de 2011) nasceu como consequência das políticas de repressão do presidente sírio, Bashar al-Assad, às manifestações a favor da democracia embaladas pelo movimento que se convencionou chamar de Primavera Árabe.
Não deu certo. Não só o conflito continua, como Assad segue presidente –ajudado militarmente pelo aliado Vladimir Putin– e também a guerra civil coleciona mortos desde então –a esta altura, já são cerca de 610 mil.
O próprio trio em questão –Rússia, Irã e Turquia– tem outros interesses geopolíticos para além da declarada boa vontade ou intenção de buscar caminhos na Síria. Como sempre, a política é um conjunto de símbolos, e esta reunião não poderia ter intenções simbólicas –e práticas, é bem verdade– mais claras.
A 1ª delas é a intenção de escape por parte de Putin. O atoleiro ucraniano em que se meteu também resultou em sanções internacionais. Como escrevo desde o início da invasão à Ucrânia, o Oriente Médio é uma rota de saída viável a Putin. Para isso, nada melhor do que se unir a um gigante da região acostumado às sanções e que também busca caminhos alternativos: o Irã.
Há uma pedra cantada nas relações russo-iranianas: um acordo já nem tão secreto assim que incluiria negócios entre a estatal russa de gás, a Gazprom, e o Irã que não apenas contornaria as sanções mas que também daria aos russos –possivelmente num quadro mais amplo de pacote de negócios– acesso aos drones iranianos a serem usados por Moscou na guerra contra a Ucrânia.
No conjunto que mistura práticas e símbolos, o Irã necessita de alternativas às sanções e também de gestos simbólicos capazes de mostrar força a seus adversários regionais: o eixo sunita sobre o qual sempre escrevo e que agora está cada vez mais abertamente aliado a Israel.
As monarquias do Golfo Pérsico e Israel têm em comum este fato também óbvio de se considerarem existencialmente sob ameaça iraniana.
O modelo de revolução representado pelo Irã é considerado uma ameaça pelas monarquias sunitas; para Israel, os sinais são ainda mais claros: o estabelecimento de bases iranianas ao redor de sua fronteira, o repasse de armamento e recursos financeiros a seus principais adversários (Hezbollah, ao norte, e Hamas, ao sul), além de um discurso claro que prega a destruição do estado judeu –fatos que nenhuma autoridade israelense se arrisca a desconsiderar.
O Irã levou as monarquias do Golfo e Israel a adotar um discurso pragmático de união que, digamos, há 10 anos seria absolutamente inimaginável.
O momento escolhido pelo Irã para receber em seu território 2 aliados de força também não é ocasional: uma semana depois da visita do presidente norte-americano, Joe Biden, a 2 dos Estados que lideram o projeto de contenção regional ao Irã –Israel e Arábia Saudita.
Por fim, vale examinar a situação da Turquia. O principal pilar a reger as diretrizes internacionais do país é a dedicação que procura impedir, de todas as formas, a criação de um Estado curdo em qualquer parte do Oriente Médio.
Os curdos são uma minoria étnica que, historicamente, se distribui entre o sudeste da Turquia, o nordeste da Síria, o norte do Iraque, o noroeste do Irã e o sudoeste da Armênia.
Na Turquia, a população curda é estimada entre 15% e 20% da população total de 84 milhões de habitantes.
Neste momento, a Turquia se prepara para uma nova ofensiva militar no norte da Síria, onde há combates em curso entre o exército turco e as milícias curdas conhecidas como Unidades de Proteção Popular (YPG).
Portanto, não é surpreendente que o encontro para tratar de soluções na Síria tenha terminado como uma declaração igualmente óbvia (e absolutamente contraditória) por parte do presidente iraniano, Ebrahim Raisi, que reafirmou que a única solução para a crise deve ser política e sem a “interferência de potências estrangeiras”.
Isso diz muito sobre a transformação regional ocorrida neste século (em especial a partir da 2ª década deste século). Pelas perspectivas iranianas, a Rússia já deixou de ser uma “potência estrangeira” no Oriente Médio.
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