Artigo: 'Conflito entre israelenses e palestinos e os objetivos do Hamas'
Artigo: ‘Conflito entre israelenses e palestinos e os objetivos estratégicos do Hamas’
Engajamento pelo diálogo afeta o cenário local, tanto na política israelense como também na palestina
*Por Henry Galsky, de Israel
Há mudanças em curso na política israelense. Neste processo, o modo de atuação e enfrentamento diante do Hamas mudou em relação aos anos do governo do ex-primeiro-ministro e atual líder da oposição Benjamin Netanyahu. A atual coalizão –que perdeu a maioria no Knesset, o Parlamento, e por isso está mais frágil do que nunca– tem escolhido uma abordagem diferente em relação aos palestinos. A principal mudança é a opção de engajamento por meio do diálogo com o governo do presidente Mahmoud Abbas, a liderança palestina reconhecida pela comunidade internacional.
- Financie o nosso jornalismo independente. Precisamos de você para continuar produzindo um material de qualidade.
Essa decisão afeta profundamente o cenário local, ou seja, a política israelense e também a palestina. Enquanto Netanyahu –que governou em sequência entre 2009 e 2021– enfraqueceu a Autoridade Palestina, de Abbas, o atual primeiro-ministro seguiu caminho oposto.
Há encontros públicos e frequentes entre membros dos 2 governos (de Israel e da Autoridade Palestina), inclusive diálogo entre membros do alto-escalão, como o próprio presidente Abbas e o ministro da Defesa de Israel, Beni Gantz.
Esse movimento e essa mudança de abordagem também explicam os confrontos ocorridos no Monte do Templo/Nobre Santuário ocorridos no mês de abril e que sinalizaram a possibilidade de uma nova escala de violência.
Em maio do ano passado, Israel e o Hamas travaram mais uma rodada de um conflito de proporções limitadas. Como tenho escrito por aqui, mais uma rodada no modo de operação que se tornou comum a partir de 2 acontecimentos que transformaram de forma determinante o conflito entre israelenses e palestinos:
- a decisão do então primeiro-ministro israelense Ariel Sharon de acabar com os assentamentos judaicos na Faixa de Gaza, em 2005, retirando-se de forma unilateral do território e entregando-o de forma integral à Autoridade Palestina (AP);
- a tomada desta mesma Faixa de Gaza pelo Hamas, passando a controlar o território, transformando-se no governo local de fato, em 2007, e expulsando a AP –cujo governo passou a se restringir à Cisjordânia.
Esses acontecimentos em sequência têm grande importância no conflito entre israelenses e palestinos. A partir disso, a AP se enfraqueceu e perdeu o controle de um dos dois territórios onde qualquer plano de paz minimamente interessado em de fato solucionar o conflito determina que os palestinos estabelecerão seu Estado; além disso, alçou o Hamas a voos até então pouco críveis, como se tornar um ator relevante sob o ponto de vista regional e até para além do Oriente Médio e também passar a exercer funções de Estado, na Faixa de Gaza.
A partir desta mudança de chave e de status, o Hamas planejou cada um de seus passos, usando cada um dos 4 conflitos travados com Israel como uma espécie de “plano de carreira”.
Até 2007, o Hamas era mais um dos grupos terroristas palestinos; depois disso, tomou Gaza, aumentou a capacidade, o alcance e o poder de destruição de seus foguetes contra Israel, travou conflitos armados diretamente com as forças israelenses, estabeleceu alianças regionais, passou a receber apoio militar e verbas de atores importantes –como Qatar e Irã, por exemplo– e, no último conflito com Israel, em maio do ano passado, conseguiu se cristalizar até entre os palestinos do outro lado, da Cisjordânia, como o defensor de seus interesses sobre Jerusalém.
O que escrevi aqui no parágrafo acima é o resumo dos passos e ganhos do grupo desde a tomada da Faixa de Gaza, em 2007, até hoje, e as conquistas obtidas inclusive a partir e após cada um dos enfrentamentos com Israel.
Portanto, retornando ao ponto inicial, qualquer mudança no sistema já conhecido representa uma ameaça ao projeto do Hamas. Quando membros do governo israelense –em especial de alto-escalão– passam a se aproximar da Autoridade Palestina, o Hamas entende que está se enfraquecendo. O modo de atuação diplomático é a antítese de seus métodos e da forma como enxerga não apenas o conflito com Israel, mas como entende a si mesmo.
Para o Hamas, o confronto não é apenas um meio, mas o modo como define a sua própria existência enquanto entidade. Uma nova escalada de violência pode ser compreendida, desta forma, como uma aposta para retornar ao status anterior. E, por mais irônico que isso possa parecer, a queda do atual governo israelense e a possibilidade de retorno de Netanyahu não seria, portanto, algo necessariamente ruim ao Hamas, até porque Netanyahu garantiria um novo afastamento entre Israel e a Autoridade Palestina (AP).
Leia os outros textos de Henry Galsky no Correio Sabiá:
- 25.abr.2022 – ‘O significado do Monte do Templo/Nobre Santuário em Jerusalém’
- 15.abr.2022 – ‘Rússia se apressa para obter ganhos estratégicos antes de retomar negociações’
- 14.abr.2022 – ‘Em 3 semanas, 4 ataques deixam 13 mortos em Israel’
- 08.abr.2022 – ‘Reviravolta política em Israel deixa governo por um fio’
- 05.abr.2022 – ‘Coalizão de segurança internacional pode evitar novas invasões russas à Ucrânia’
- 01.abr.2022 – ‘A aliança entre Israel e os países árabes sunitas contra o Irã’
- 21.mar.2022 – ‘As controvérsias do discurso de Zelenskiy em Israel’
- 15.mar.2022 – ‘Energia leva EUA a buscar aproximação com outros países no Oriente Médio’
- 09.mar.2022 – ‘As razões que podem ter levado o primeiro-ministro de Israel a Moscou’
- 04.mar.2022 – ‘Turquia mantém estreitos abertos, mas coordena posição com a Rússia‘
- 28.fev.2022 – ‘O que explica a neutralidade de Israel no conflito Rússia-Ucrânia‘
- 26.fev.2022 – ‘Posição de Israel sobre guerra na Ucrânia‘
- 24.fev.2022 – ‘Um olhar inicial sobre a invasão à Ucrânia‘
- 24.fev.2022 – ‘Não se pode estabelecer maniqueísmos na crise entre Ucrânia e Rússia‘
- 14.fev.2022 – ‘A paciente estratégia de Putin’
- 05.fev.2022 – ‘Em Israel, combate ao covid também envolve questões políticas’
- 27.jan.2022 – ‘Putin considera hora reconhecimento internacional’
Assobio: o conteúdo deste artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Correio Sabiá, que apenas abriu este espaço para o debate de ideias. Portanto, todo o material textual e visual, bem como as informações e juízos de valor aqui contidos, são de inteira responsabilidade do(s) autor(es). Para propor um artigo ao Sabiá, entre em contato: redacao@correiosabia.com.br
Apoie nossos voos
Fazemos um trabalho jornalístico diário e incansável desde 2018, porque é isso que amamos e não existe nada melhor do que fazer o que se ama. Somos movidos a combater a desinformação e divulgar conhecimento científico.
Fortalecemos a democracia e aumentamos a conscientização sobre a preservação ambiental. Acreditamos que uma sociedade bem-informada toma decisões melhores, baseadas em fatos, dados e evidências. Empoderamos a audiência pela informação de qualidade.
Por ser de alta qualidade, nossa operação tem um custo. Não recebemos grana de empresas, por isso precisamos de você para continuar fazendo o que mais gostamos: cumprir nossa missão de empoderar a sociedade civil e te bem-informado. Nosso jornalismo é independente porque ele depende de você.
Apoie o Correio Sabiá. Cancele quando quiser.