‘Orçamento secreto’: entenda o que são as emendas de relator
Conhecidas como “orçamento secreto”, as emendas de relator (cujas regras de transparência são questionadas) voltaram ao centro do noticiário na 2ª semana de outubro, num momento de disputa do 2º turno das eleições. As menções ao tema dispararam nas redes sociais depois de viralizar um vídeo da senadora e candidata derrotada à Presidência Simone Tebet (MDB-MS).
Apesar de a declaração ter viralizado na 2ª semana de outubro, a fala de Tebet ocorreu numa entrevista concedida ao podcast Flow ainda no 1º turno da campanha eleitoral, em agosto. A senadora ainda citou casos revelados por uma reportagem da revista Piauí, chamada “Orçamento secreto banca fraudes no SUS”.
“Exemplo: numa cidade do interiorzinho do Maranhão, (a população) fez mais exame de HIV que toda a cidade de São Paulo, de 12 milhões de habitantes. Tem uma cidade que diz que extraiu num único ano 540 mil dentes, [uma cidade] pequenininha. Significa ter tirado 14 dentes de cada boca, de cada cidadão da cidade, inclusive do bebê recém-nascido que não tem dentes”
– Simone Tebet
Eis abaixo os tópicos que encontrará aqui:
- Orçamento secreto e os cortes na Educação
- O que são emendas parlamentares
- O que é a PEC do Orçamento Impositivo
- Relação da PEC do Orçamento Impositivo com as emendas parlamentares
- O que são as emendas de relator e o que é o orçamento secreto
- Saiba como funciona o orçamento secreto
- Rosa Weber suspendeu emendas de relator
- Pacheco e Lira dizem que não têm como cumprir determinação do STF
- Senador apresenta substitutivo para a resolução
1. Orçamento secreto e os cortes na Educação
A viralização das declarações de Tebet sobre orçamento secreto ocorreram num momento de disputa eleitoral e, simultaneamente, num momento em que o governo federal cortou dinheiro do Ministério da Educação para financiar, sobretudo, universidades.
Motivo: o ministro Victor Godoy (Educação) bloqueou R$ 2,4 bilhões em recursos para a área. ele prometeu que os valores seriam liberados em dezembro. No entanto, o orçamento secreto (você já vai entender abaixo como ele funciona) teve R$ 15 bilhões neste ano e terá mais de R$ 19 bilhões em 2023. O que as pessoas começaram a falar nas redes? Que os cortes na Educação estavam servindo para financiar o orçamento secreto.
Esta, no entanto, não foi a 1ª vez quà pauta no Congresso no dia 29 de novembro de 2021, uma segunda-feira, por causa da possibilidade de votar o PRN (projeto de resolução do Congresso Nacional) nº 4/2021, que era uma forma de ampliar a transparência da apresentação, aprovação e execução dessas emendas.
Neste artigo, o Correio Sabiá explica tudo o que você precisa saber sobre o “orçamento secreto”, começando pelo que são emendas parlamentares, até chegar nas emendas de relator. É uma maneira de fazer você realmente entender as notícias. Acreditamos no empoderamento a partir do conhecimento.
2. O que são emendas parlamentares
Emendas são uma maneira de descentralizar o Orçamento do governo federal, dar mais participação aos congressistas (deputados federais e senadores) e mais eficiência à alocação de recursos públicos.
O que ocorre é que todo ano o Poder Executivo precisa formular um projeto de LOA (Lei Orçamentária Anual) e enviar ao Congresso, por motivos de transparência. Essa LOA vai definir o Orçamento do ano seguinte.
É aí que os congressistas podem apresentar emendas ao projeto. É uma forma de participarem da construção orçamentária, tirando esse “monopólio” do Executivo.
Também é uma forma de dar mais eficiência aos gastos, porque pressupõe-se que os congressistas (eleitos por diversos segmentos da sociedade), conhecem mais a realidade e especificidade de suas regiões (seus redutos eleitorais) do que o governo federal.
Cada congressista tem o direito de apresentar até 25 projetos detalhados de emendas que justifiquem o uso dos recursos. Portanto, a verba dessas emendas é usada no reduto eleitoral dos congressistas.
Em 2021, o valor das emendas no Orçamento foi de R$ 16,3 bilhões, sendo R$ 10,5 bilhões para emendas individuais. Isso dá cerca de R$ 17,6 milhões para cada um dos 594 congressistas (513 deputados mais 81 senadores) alocarem em seus redutos.
3. O que é a PEC do Orçamento Impositivo
Até 2015, essas emendas eram executadas livremente pelo Poder Executivo. Isto é, os congressistas faziam os 25 projetos, mas o governo federal definia se ocorreria ou não a liberação da verba (e quando).
Na prática, o governo acabava liberando o dinheiro quando tinha uma votação importante no Congresso, do seu interesse. Assim, “soltava o dinheiro” e “conseguia os votos” que precisava para aprovar um texto.
Isso só começou a mudar com a Emenda Constitucional 86, que veio com a PEC (proposta de emenda à Constituição) do Orçamento Impositivo.
O texto aprovado e promulgado estabeleceu um valor mínimo de emendas que deveria, obrigatoriamente, ser executado. O valor seria de 1,2% da receita corrente líquida, algo em torno de R$ 10 bilhões em 2016.
4. Relação da PEC do Orçamento Impositivo com as emendas parlamentares
Cabe ressaltar que a mesma PEC do Orçamento Impositivo ainda definiu que metade dos valores em emendas deveria ser destinada para a área da saúde.
Outra informação importante: além dos deputados e senadores, as bancadas estaduais também podem propor emendas. Neste caso, cada bancada estadual pode apresentar duas emendas no valor de 0,8% da receita corrente líquida.
Da mesma forma, Comissões Permanentes do Senado e da Câmara, além de Comissões Mistas Permanentes, também podem apresentar emendas. Há o limite de 8 emendas por comissão, sem que haja teto para os valores.
Portanto, para resumir, há as emendas individuais, de bancada e de comissões. Além delas, há o 4º tipo de emendas (do relator).
Como conclusão, a PEC do Orçamento Impositivo tornou o Legislativo mais independente em relação à barganha do Poder Executivo. Porém, o governo federal continuou podendo ditar o ritmo da liberação dos recursos.
Exatamente: o governo federal passou a ser obrigado a executar emendas, mas continuou sendo livre para decidir quando faria isso.
Por isso, continuou sendo frequente observar no noticiário que o governo, às vésperas de uma votação importante, acelerava a liberação da verba de emendas para os congressistas.
5. O que são as emendas de relator e o que é o orçamento secreto
As emendas de relator funcionam de maneira semelhante às emendas acima (individuais, de bancada e de comissão), mas sem identificação de quais congressistas solicitaram a verba e sem necessidade de distribuição igualitária entre eles.
Esse conjunto de particularidades fez com que as emendas de relator ficassem conhecidas como “orçamento secreto”. Há questionamentos na Justiça sobre a validade desse mecanismo.
Em tese, as emendas de relator permitem a correção de eventuais erros e omissões na elaboração do Orçamento. É isso o que o Congresso, em maioria, sustentava. Ou seja, “faltou dinheiro”, o relator resolve.
No entanto, existe um outro lado: críticos das emendas de relator argumentam que esse mecanismo é uma maneira de distribuir recursos para aliados do governo como forma de ganhar votações, sem que haja a devida transparência.
6. Saiba como funciona o orçamento secreto
Neste ano, as emendas de relator representaram R$ 16,8 bilhões. Isso tudo nas mãos de uma única pessoa, o relator do Orçamento, que tem a verba à sua disposição e pode distribuí-la como achar melhor por meio das emendas.
Na prática, congressistas procuram o relator, fazem acordos (votam a favor de um projeto, por exemplo, e conseguem verba para seu reduto eleitoral) e a troca é feita sem que haja o devido registro de transparência para saber quem fez o pedido.
Como? No caso das emendas de relator, o congressista pede o dinheiro, o relator faz a emenda, o projeto é aprovado no Congresso e a distribuição da verba é feita em nome do órgão beneficiado, e não do congressista que pediu o recurso.
O que se pode observar é que o dinheiro tem chegado na ponta da linha, em cidades onde há aliados do governo federal. Mas não fica claro quem conseguiu os recursos do Orçamento por meio da emenda.
7. Rosa Weber suspendeu emendas de relator
O assunto chegou ao STF (Supremo Tribuna Federal), e a ministra Rosa Weber, em decisão provisória (liminar), determinou a suspensão das emendas do relator no dia 5 de novembro, em ações movidas pelo PSOL, Cidadania e PSB.
Diversas autoridades criticaram a decisão. Entre elas, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da República, Jair Bolsonaro (atualmente no PL, mas àquela altura sem partido).
Mesmo assim, em análise do plenário do STF (formado por todos os ministros da Corte), os magistrados decidiram manter a decisão de Rosa Weber por 8 votos a 2. Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques deram os votos contrários.
O STF formou maioria pelo entendimento de manter a suspensão à execução do “orçamento secreto” no dia 9 de novembro. Concluiu o julgamento com os votos restantes no dia seguinte (10).
Além da suspensão da execução das emendas de relator, a decisão do STF ainda determinou que o Congresso desse mais transparência para a destinação desses recursos e assegurar amplo acesso público.
8. Pacheco e Lira dizem que não têm como cumprir determinação do STF
Em ofício endereçado a Rosa Weber, os 2 representantes do Legislativo disseram no dia 25 de novembro que não tinham como cumprir integralmente a decisão judicial de dar transparência a execuções retroativas das emendas de relator.
Lira e Pacheco argumentaram que os recursos já tinham sido destinados e que já havia relações jurídicas confirmadas, que seriam judicializadas.
Por isso, segundo eles, suspender a execução dessas emendas geraria insegurança jurídica, bem como “elevada probabilidade” de responsabilizar a União, além de “prejuízos irreparáveis à execução de políticas públicas importantes para a sociedade brasileira”.
O presidente do Senado fez uma reunião presencial com Rosa Weber para expor esses argumentos no mesmo dia 25 de novembro.
Depois, Pacheco tentou colocar em votação uma resolução sobre emendas do relator. Para isso, disse ser uma tentativa de dar mais transparência à destinação dos recursos e fazer cumprir a ordem judicial. Trata-se do PRN nº4 (voltamos a ele, finalmente).
No entanto, a tentativa ocorreu sem falar com os líderes dos partidos. Sob pressão por não ter falado com seus pares e por ser um assunto delicado, o presidente do Senado voltou atrás e marcou a votação para esta 2ª feira (29).
9. Senador apresenta substitutivo para a resolução
Depois, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentou no sábado (27) uma emenda substitutiva a essa resolução para, segundo ele, “dar transparência real, e não ‘fake’ proposta”.
O Correio Sabiá preza por mostrar a íntegra de documentos oficiais. Veja aqui o substitutivo apresentado pelo senador Alessandro Vieira.
“O orçamento secreto é um tapa na cara da sociedade. É preciso encerrar este desvio orçamentário inconstitucional”, disse ele em nota enviada à imprensa e recebida pelo Correio Sabiá.
A proposta do senador também estabelece que o valor total das emendas do relator ao Orçamento não pode exceder 1% das despesas discricionárias, o que equivale a cerca de R$ 1 bilhão atualmente.
As despesas discricionárias são os gastos que o governo pode ou não executar, com liberdade para decidir o momento mais oportuno de realizar a despesa. É diferente da “despesa obrigatória”.
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