Precatórios e Auxílio Brasil: entenda a relação
Entenda o que são precatórios e como eles podem bancar o Auxílio Brasil
Governo federal pretende implementar um novo programa social, mas precisa abrir brecha no Orçamento de 2022
O programa social do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que deve substituir e ampliar o Bolsa Família já tem nome (Auxílio Brasil) e data para começar a ser pago (17 de novembro), mas não tem fonte bem definida de recursos até este momento. O dinheiro para bancar a iniciativa estaria nos precatórios, que precisam ser negociados. A saída para financiar a iniciativa seria aprovar a PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios no Congresso Nacional.
O texto já foi aprovado em 2 turnos na Câmara dos Deputados. Agora, precisa ser analisado pelo Senado, onde também precisa do aval dos congressistas em 2 turnos de votação. O detalhe é que, no Senado, o governo federal encontra mais dificuldades de articulação política. De 81 senadores, são necessários os votos favoráveis de ao menos 49.
Para te ajudar a entender todos os detalhes desse impasse, o Correio Sabiá explicará tudo o que você precisa saber sobre os precatórios, desde o conceito desses pagamentos à importância da PEC para custear o Auxílio Brasil, eventual sucessor do Bolsa Família. Entenda abaixo o que está em discussão.
O que são precatórios
Precatórios são dívidas do poder público com pessoas físicas, jurídicas, estados e municípios reconhecidas em decisões judiciais já transitadas em julgado, ou seja, que não são mais passíveis de recursos. Precisam ser pagas.
Com base no tempo em que as ações tramitaram na Justiça até a sentença definitiva, o valor a ser quitado é sempre acrescido de correção.
Como o fim dos processos não tem “data marcada”, com alguns se prolongando até por anos, há incerteza sobre o valor das dívidas judiciais a serem quitadas pela União ano a ano.
É de competência da AGU (Advocacia-Geral da União) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) fazer as estimativas desses valores, que serão repassados à equipe econômica do governo federal para a elaboração do Orçamento do ano seguinte.
Por que negociar os precatórios?
Ao enviar o projeto de LOA (Lei Orçamentária Anual) ao Congresso Nacional, o governo federal destinou R$ 89 bilhões para pagamento de precatórios em 2022. No entanto, para custear o novo programa social (Auxílio Brasil), a equipe econômica pretende fazer o pagamento de menos da metade desse valor no ano que vem. Seria algo em torno de R$ 39 bilhões.
Para abrigar o programa neste ano, o governo já tomou algumas iniciativas. Uma delas foi aumentar a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para algumas operações nas quais o tributo incide. Agora, trabalha pela aprovação da PEC dos Precatórios no Congresso Nacional.
Um dos pontos de maior impasse na PEC dos Precatórios é que o texto altera o teto de gastos (regra que limita as despesas do governo às do ano anterior, corrigidas apenas pela inflação), além de limitar o próprio pagamento de precatórios, que são determinados por outro Poder, o Judiciário.
Governo envia PEC dos Precatórios
Em agosto, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux, que também preside o CNJ, afirmou que os precatórios serão pagos e que não haverá “calote”.
O ministro propôs que a equipe econômica do governo federal buscasse o valor total de precatórios quitados pelo governo em 2016, ano em que foi criada a regra do teto de gastos, com a aplicação da correção sobre o valor. O resultado dessa conta, seria a parcela a ser quitada de precatórios no próximo ano.
Em contraponto, ainda em agosto, a equipe econômica do governo enviou sua própria proposta ao Congresso Nacional através da PEC dos Precatórios que está em tramitação. A ideia era parcelar as dívidas judiciais, fazendo com que o governo economizasse R$ 33 bilhões no próximo ano e respeitasse a regra do teto.
Em resposta ao ministro Fux, o governo federal afirmou que a proposta não seria um calote, mas sim uma forma de compatibilizar o pagamento dos precatórios com a regra do teto de gastos, além liberar mais espaço para o financiamento de programas como o Auxílio Brasil.
Contudo, aumentando a tensão da negociação, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o ministro Paulo Guedes (Economia) e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciaram no dia 21 de setembro que o governo federal desistiu do parcelamento dos precatórios, ideia prevista inicialmente na PEC.
Agora, o governo discute com congressistas sobre alterações na PEC que permitam o uso dos precatórios na venda de ativos. Isto é, as dívidas judiciais seriam utilizadas pelos credores na compra de imóveis da União, na privatização de estatais, em leilões de concessão ou no abatimento de dívidas com a Receita Federal.
Tramitação da PEC dos Precatórios
PECs são proposições legislativas mais difíceis de serem aprovadas, por se tratarem de emendas à Constituição. Para ser aprovada na Câmara, uma PEC precisa dos votos de 3/5, em 2 turnos de votação. Do total de 513 deputados, portanto, são necessários 308 votos a favor do texto.
A Câmara aprovou no dia 9 de novembro a PEC dos Precatórios em 2ª turno, com 323 votos a favor, 172 contra e 1 abstenção. Antes, em 1º turno, o texto tinha sido aprovado com uma margem apertada: 312 votos. Para garantir a votação, o presidente da Câmara autorizou deputados em missão oficial no exterior a votar remotamente.
Agora aprovado em 2 turnos na Câmara, o texto seguiu para o Senado, onde precisará do apoio de pelo menos 49 senadores de um total de 81. A votação também precisa ocorrer em 2 turnos. É justamente no Senado onde o governo federal tem mais dificuldades de articulação política.
Se a PEC for aprovada no Senado da mesma maneira que foi pela Câmara, isto é, sem modificações no texto, ela seguirá para promulgação pelo presidente do Congresso. Importante: PECs não são sancionadas pelo presidente da República, mas sim promulgadas pelo Congresso.
No entanto, se o texto sofrer modificações pelo Senado, precisará retornar para uma nova análise da Câmara. Isso atrasaria ainda mais a definição de recursos para bancar o Auxílio Brasil.
Ampliação do Bolsa Família
O Auxílio Brasil é mais uma tentativa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de implementar um programa social do seu próprio governo para que substitua o Bolsa Família, lançado pelos governos do PT (Partido dos Trabalhadores).
A ideia é que o benefício do Auxílio Brasil tenha valor médio de R$ 400 por família. O Bolsa Família tem valor médio de R$ 178. O número de famílias beneficiadas seria ampliado das atuais 14,3 milhões para 17 milhões.
A tentativa de implementação de um novo programa social coincide com o prazo cada vez mais curto até a eleição do ano que vem, cujo 1º turno está marcado para o dia 2 de outubro. Sendo assim, a negociação dos precatórios vai de encontro com o aumento das chances de reeleição do presidente.
Memória: lembra do Renda Brasil?
A ideia de criar um novo programa social não é nova neste governo e já teve diversas idas e vindas. A 1ª delas foi a tentativa de criar o Renda Brasil. No entanto, em setembro de 2020, Bolsonaro desautorizou a equipe econômica a falar no nome do possível programa social. Assim, enterrou o assunto temporariamente.
Nunca apresentada formalmente, a proposta de implementação do Renda Brasil visava agrupar diversos programas sociais e aumentar o valor do benefício concedido a famílias de baixa renda. Assim como o Auxílio Brasil, o Renda Brasil também visava substituir o Bolsa Família e dobrar o valor concedido a essas famílias.
A questão para implementar o Renda Brasil era: de onde viria esse dinheiro? Entre as opções, havia as seguintes propostas de congelamentos e/ou reduções feitas pela equipe econômica:
- Abono salarial: funciona como um 14º salário para quem trabalha com carteira assinada e recebe até 2 salários mínimos;
- Seguro-defeso: pago ao pescador artesanal durante o período em que fica proibido de trabalhar por questões ambientais;
- Salário-família: benefício para empregados de baixa renda que têm filhos de até 14 anos ou filhos com deficiência;
- Farmácia Popular: medicamentos a preços mais acessíveis a pessoas de baixa renda.
Bolsonaro não enviou a proposta ao Congresso. Já a equipe econômica, impedida de mexer no abono salarial, procurou alternativas. Ainda em setembro de 2020, em entrevista ao G1, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, disse que a pasta estudava congelar aposentadorias e pensões, além de restringir o seguro-desemprego.
Bolsonaro gravou um vídeo nas redes sociais com o qual desautorizava publicamente integrantes do governo a falarem sobre Renda Brasil. Chamou a ideia de congelamento de pensões de aposentados de “devaneio” e ameaçou dar um “cartão vermelho” a quem insistisse publicamente na ideia de implementar um novo programa social.
“Pode ser que alguém da equipe econômica tenha falado sobre esse assunto. Mas, por parte do governo, jamais vamos congelar salário de aposentado, bem como jamais vamos fazer com que o auxílio para idosos e pobres com deficiência seja reduzido, para qualquer coisa que seja”, afirmou Bolsonaro.
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