Artigo: 'Primeiro-ministro de Israel vai a Moscou; entenda as causas'
Artigo: ‘As razões que podem ter levado o primeiro-ministro de Israel a Moscou’, por Henry Galsky
O momento atual pode fazer com que Rússia e Estados Unidos busquem alternativas no Oriente Médio
*Por Henry Galsky, de Israel
O primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett, está cada vez mais envolvido na tentativa de intermediar o diálogo entre Rússia e Ucrânia. O fato mais marcante até o momento foi sua viagem à Rússia no sábado (5.mar), durante o shabat, o descanso semanal judaico. Bennett é o primeiro judeu religioso a ocupar o cargo de primeiro-ministro de Israel. E, desta forma, segue o preceito do shabat.
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Durante o descanso semanal judaico -que começa no pôr do sol de sexta-feira e se encerra no pôr-do-sol de sábado- Bennett e o restante da população religiosa de Israel realizam poucas atividades e não trabalham. Não cabe aqui detalhar todas regras do shabat, mas, dentre elas, está a determinação de não viajar de carro ou qualquer outro meio de transporte.
Digo isso porque, para ir ao encontro do presidente Vladimir Putin, Bennett foi obrigado a descumprir este preceito. Há justificativas religiosas que permitem exceções; uma das bases do judaísmo é que as determinações podem -e devem- ser quebradas quando a razão para tal envolve salvar vidas.
Por isso Bennett esteve com Putin. Na sequência do encontro, teria conversado por telefone, ainda no avião, com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy. Para além das tentativas de intermediar o diálogo entre as lideranças dos países em confronto, Bennett também tem buscado garantir a jornada em segurança rumo a Israel da população israelense e judaica que vive na Ucrânia.
Tenho escrito por aqui com frequência que o prolongamento do conflito na Europa acaba também por expandir as consequências da invasão russa. Bennett é mais um ator que tem se mostrado preocupado com isso. Um tema permanente das pautas de preocupação existencial de Israel é o programa nuclear iraniano.
A Rússia, assim como Grã-Bretanha, China, França e Alemanha, está presente nas negociações em Viena, na Áustria, para restaurar o acordo com o Irã. Em maio de 2018, sob a presidência de Donald Trump, os Estados Unidos se retiraram do acordo que, atualmente, o governo do presidente norte-americano Joe Biden pretende retomar.
Como as relações internacionais se conectam em pontos aparentemente distintos, a onda de sanções à Rússia pode ter levado Moscou a entender as negociações com o Irã como oportunidade. Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, disse no último sábado que seu país precisa obter garantias por parte dos EUA, antes de apoiar o acordo sobre o programa nuclear iraniano.
Neste momento, com a alta do preço do barril de petróleo justamente em função da invasão russa, a forma de reduzir o custo passa também pela busca por novos fornecedores. E aí entra o Irã, proprietário da 4ª maior reserva de petróleo no mundo, mas cujas sanções internacionais têm prevenido-o de chegar minimamente próximo à capacidade de produção.
No jogo político deste momento, é provável que os EUA considerem a possibilidade de que o novo acordo com os iranianos seja capaz de solucionar 2 problemas de uma única vez (para ser claro, as ambições nucleares da República Islâmica e a alta do petróleo).
E então retornamos a Bennet e sua conversa direta com Putin. Como se sabe -e como escrevo com frequência por aqui- a Rússia está presente na Síria diretamente desde 2015, quando passou a atuar na guerra civil com 2 objetivos: lutar contra a expansão do EI (Estado Islâmico) e sustentar no cargo de presidente do país Bashar al-Assad, aliado de longa data.
Por outro lado, a Rússia também passou a ser a principal potência estrangeira em atuação no Oriente Médio, estabelecendo-se como a única parte a dialogar diretamente com atores regionais que a) não se reconhecem mutuamente; b) buscam a destruição mútua; c) não mantém qualquer canal de comunicação entre si; d) todas as opções anteriores.
Desta forma, a Rússia está fazendo uso deste “capital” de atuação que construiu ao longo da última década aqui no Oriente Médio. E, como Israel considera o estabelecimento de bases iranianas na Síria como ameaça existencial, precisa continuar a coordenar com os russos os ataques aéreos que costuma realizar contra esses alvos em território sírio.
Quando mencionei que Bennett descumpriu um dos principais preceitos do shabat para salvar vidas também me referia a este ponto; a possibilidade de que o primeiro-ministro israelense, além de todos os passos que listei acima sobre os judeus ucranianos e sobre a tentativa de encontrar um caminho para o fim da guerra em si, também estivesse levando em consideração esta visão quanto ao Irã.
Isso porque, é importante dizer, o governo iraniano pode estar a caminho de se ver livre das sanções, caso de fato o acordo com as potências seja retomado. E, segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, em inglês), o Irã possui hoje estoque de urânio enriquecido correspondente a mais de 15 vezes o limite estabelecido no acordo de 2015.
Leia os outros textos de Henry Galsky no Correio Sabiá:
- 04.mar.2022 – Artigo: ‘Turquia mantém estreitos abertos, mas coordena posição com a Rússia‘
- 28.fev.2022 – Artigo: ‘O que explica a neutralidade de Israel no conflito Rússia-Ucrânia‘
- 26.fev.2022 – Artigo: ‘Posição de Israel sobre guerra na Ucrânia‘
- 24.fev.2022 – Artigo: ‘Um olhar inicial sobre a invasão à Ucrânia‘
- 24.fev.2022 – Artigo: ‘Não se pode estabelecer maniqueísmos na crise entre Ucrânia e Rússia‘
- 14.fev.2022 – ‘A paciente estratégia de Putin’
- 05.fev.2022 – ‘Em Israel, combate ao covid também envolve questões políticas’
- 27.jan.2022 – ‘Putin considera hora reconhecimento internacional’
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