Em artigo sobre tarifas de Trump, Ray Dalio fala em colapso monetário, político e geopolítico global; leia a íntegra

De acordo com o investidor bilionário, tarifas são sintoma visível de algo maior, que só se vê uma vez a cada geração.

Em artigo sobre tarifas de Trump, Ray Dalio fala em colapso monetário, político e geopolítico global; leia a íntegra
Imagem criada com inteligência artificial. Usamos ChatGPT, conforme especificam nossas políticas abertas de uso de IA.
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Traduzimos o texto original (inglês) publicado por Ray Dalio em suas redes sociais, intitulado "Não cometa o erro de pensar que o que está acontecendo agora se resume a tarifas". As opiniões são do autor do artigo. O Correio Sabiá compartilha para fomentar o debate e a reflexão.

Neste momento, uma enorme atenção está sendo justificadamente direcionada às tarifas anunciadas e seus impactos muito significativos nos mercados e economias, enquanto muito pouca atenção está sendo dada às circunstâncias que as causaram e às maiores disrupções que provavelmente ainda estão por vir. Não me entenda mal: embora esses anúncios de tarifas sejam desenvolvimentos muito importantes –e todos saibamos que o presidente Trump os causou– a maioria das pessoas está perdendo de vista as circunstâncias subjacentes que o elegeram presidente e que trouxeram essas tarifas à tona. Elas também estão, em sua maioria, ignorando as forças muito mais importantes que estão impulsionando praticamente tudo, incluindo as tarifas.

A coisa muito maior e mais importante a se ter em mente é que estamos assistindo a uma quebra clássica das principais ordens monetária, política e geopolítica. Esse tipo de colapso ocorre apenas uma vez por geração, mas já aconteceu muitas vezes na história, quando condições insustentáveis semelhantes estavam presentes.

Mais especificamente:

  1. A ordem monetária/econômica está desmoronando porque há dívidas demais existentes, o ritmo de endividamento está muito acelerado, e os mercados de capitais e as economias atuais são sustentados por esse nível insustentável de dívida. A dívida é insustentável devido ao grande desequilíbrio entre a) os tomadores de empréstimos que devem demais e continuam se endividando excessivamente por estarem viciados nesse modelo para financiar seus excessos (por exemplo, os Estados Unidos) e b) os credores (como a China), que já detêm uma grande quantidade dessas dívidas e estão viciados em vender seus produtos para os tomadores de empréstimos (como os EUA) para sustentar suas economias. Existem fortes pressões para que esses desequilíbrios sejam corrigidos de alguma forma, e fazer isso mudará profundamente a ordem monetária. Por exemplo, é obviamente incongruente haver tanto desequilíbrio comercial quanto desequilíbrio de capitais em um mundo em desglobalização, no qual os principais atores não confiam que os outros não os cortarão dos itens de que precisam (uma preocupação dos EUA) ou que não pagarão o que devem (uma preocupação da China). Isso é resultado de essas partes estarem em uma espécie de guerra, na qual a autossuficiência é de importância máxima. Qualquer pessoa que estudou História sabe que riscos assim, nessas circunstâncias, repetidamente levaram aos mesmos tipos de problemas que estamos vendo agora. Assim, a velha ordem monetária/econômica –na qual países como a China fabricam barato, vendem aos americanos e adquirem ativos de dívida dos EUA, e os americanos tomam dinheiro emprestado desses países para realizar essas compras, acumulando enormes passivos– terá que mudar. Essas circunstâncias evidentemente insustentáveis são agravadas pelo fato de terem causado a deterioração da manufatura americana, o que esvazia os empregos da classe média nos EUA e força o país a importar itens essenciais de uma nação que passa a ver como inimiga. Em uma era de desglobalização, esses grandes desequilíbrios comerciais e de capital –que refletem a interconexão comercial e financeira– precisarão ser reduzidos de uma forma ou de outra. Também deveria ser óbvio que o nível de dívida do governo dos EUA e a velocidade com que essa dívida está crescendo são insustentáveis. (Você pode encontrar minha análise sobre isso em meu novo livro How Countries Go Broke: The Big Cycle.) Claramente, a ordem monetária precisará mudar de forma disruptiva para reduzir todos esses desequilíbrios e excessos, e estamos apenas no começo desse processo. Há implicações enormes para os mercados de capitais e para a economia, que tratarei em outra ocasião.
  2. A ordem política doméstica está entrando em colapso devido a enormes lacunas nos níveis de educação, oportunidades, produtividade, renda, riqueza e valores — e devido à ineficácia da ordem política existente em resolver esses problemas. Essas condições se manifestam em disputas de “vencer a qualquer custo” entre populistas de direita e esquerda sobre quem terá o poder e o controle. Isso está levando ao colapso das democracias, pois elas exigem compromisso e adesão ao Estado de Direito –e a História mostra que ambos colapsam em períodos como o que vivemos. A história também mostra que líderes autocráticos fortes emergem quando a democracia clássica e o Estado de Direito clássico deixam de ser barreiras à liderança autocrática. Obviamente, a atual instabilidade política será afetada pelas outras 4 forças que menciono aqui –por exemplo, problemas nos mercados de ações e na economia provavelmente gerarão problemas políticos e geopolíticos.
  3. A ordem geopolítica internacional está desmoronando porque a era de uma única potência dominante (os EUA) ditando a ordem que os outros países seguiam acabou. A ordem mundial multilateral e cooperativa liderada pelos EUA está sendo substituída por uma abordagem unilateral, na qual o poder prevalece. Nesta nova ordem, os EUA ainda são a maior potência do mundo e estão adotando uma abordagem unilateral de “América em primeiro lugar”. Estamos vendo isso se manifestar na guerra comercial, geopolítica e tecnológica liderada pelos EUA –e, em alguns casos, até em guerras militares.
  4. Eventos naturais (secas, enchentes e pandemias) estão se tornando cada vez mais disruptivos.
  5. E mudanças tecnológicas impressionantes, como a inteligência artificial (IA), terão impactos profundos em todos os aspectos da vida — incluindo a ordem monetária/dívida/econômica, a ordem política, a ordem internacional (afetando as interações econômicas e militares entre países) e os custos dos eventos naturais.

Mudanças nessas forças e em como elas se influenciam mutuamente é onde deveríamos estar focando nossa atenção.

Por isso, peço que você não deixe que mudanças dramáticas que dominam as manchetes, como as tarifas, desviem sua atenção dessas 5 grandes forças e de suas inter-relações, que são os verdadeiros motores das mudanças dos Grandes Ciclos. Se você se distrair com elas, você irá: a) deixar de entender como as condições e dinâmicas dessas grandes forças causam essas mudanças que viram notícia; b) deixar de pensar em como essas mudanças impactam essas forças; e c) deixar de acompanhar como esse Grande Ciclo e os elementos que o impulsionam geralmente se desenrolam –o que te diria muito sobre o que provavelmente está por vir.

Também peço que você reflita sobre as inter-relações que são criticamente importantes. Por exemplo, pense em como as ações de Donald Trump sobre tarifas afetarão: 1) a ordem monetária/de mercado/econômica (será disruptiva para ela); 2) a ordem política interna (provavelmente a desestabilizará, ao minar sua base de apoio); 3) a ordem geopolítica internacional (será disruptiva de muitas maneiras óbvias –financeiras, econômicas, políticas e geopolíticas); 4) o clima (prejudicará um pouco a capacidade do mundo de lidar com as mudanças climáticas de forma eficaz); e 5) o desenvolvimento tecnológico (será disruptivo de maneiras positivas, como atrair mais produção tecnológica para os EUA, e também de formas negativas, como afetar os mercados de capitais que financiam o desenvolvimento tecnológico, além de muitas outras formas que nem dá para enumerar aqui).

Ao refletir sobre tudo isso, é útil ter em mente que o que está acontecendo agora é apenas uma versão contemporânea do que já ocorreu inúmeras vezes ao longo da história. Recomendo que estude as ações que formuladores de políticas tomaram em casos análogos no passado, quando estavam em posições semelhantes, para te ajudar a montar uma lista de medidas que podem vir a ser tomadas — como suspender pagamentos de dívida a países “inimigos”, estabelecer controles de capital para evitar a saída livre de dinheiro do país e impor impostos especiais. Muitas dessas ações teriam sido impensáveis até pouco tempo atrás, por isso devemos também estudar como essas políticas funcionam.

As quebras nas ordens monetária, política e geopolítica –que se manifestam como depressões, guerras civis e guerras mundiais– levam ao surgimento de novas ordens monetárias e políticas que governam as interações dentro dos países, e ordens geopolíticas que regulam as relações entre países… até que essas ordens também entrem em colapso. Tudo isso já aconteceu repetidas vezes e são os aspectos mais importantes que precisamos entender bem.

Descrevi tudo isso em detalhes no meu livro Princípios para Lidar com a Nova Ordem Mundial, onde você pode ver tudo bem estruturado. O Grande Ciclo está descrito em seis estágios claramente identificáveis que se desenrolam à medida que uma ordem dá lugar à outra. Ele está apresentado com tanto detalhe que fica fácil comparar o que está acontecendo agora com o que normalmente acontece, possibilitando identificar em que estágio do ciclo estamos e o que provavelmente virá a seguir.

Quando escrevi esse livro e os outros, minha esperança era –e continua sendo– que eu pudesse: 1) ajudar os formuladores de políticas a entenderem essas forças e interagirem com elas para criar melhores políticas e resultados; 2) ajudar indivíduos que, embora não possam afetar diretamente as políticas, possam lidar melhor com essas forças e obter melhores resultados para si mesmos e para os que amam; e 3) incentivar pessoas inteligentes que pensam diferente de mim a terem conversas abertas e reflexivas comigo, para que todos nós possamos buscar o que é verdadeiro e o que fazer a respeito.

As opiniões expressas neste artigo são minhas [Ray Dalio] e não necessariamente as da [empresa] Bridgewater.

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Quem é Ray Dalio? Ray Dalio é um dos investidores mais influentes do mundo, e o fundador da Bridgewater Associates, o maior fundo de hedge do planeta por muitos anos. Ele é conhecido não só pelo sucesso nos investimentos, mas também por suas análises macroeconômicas profundas e por tentar entender como funcionam os grandes ciclos econômicos, políticos e sociais –o que ele chama de “The Big Cycle”.

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