Artigo: ‘Ucrânia-Rússia: não se pode estabelecer maniqueísmos‘

Foto: Marjan Blan/Unsplash
Table of Content

Artigo: ‘Não se pode estabelecer maniqueísmos na crise entre Ucrânia e Rússia‘, escreve Henry Galsky

Aproximação e afastamento com os russos está no centro dos debates da identidade dos destinos do país
Foto: Marjan Blan/Unsplash
Galsky: “Acontecimentos de hoje não são atos isolados, mas a consequência da construção histórica de tempos de profunda complexidade” / Foto: Marjan Blan/Unsplash
*Por Henry Galsky, de Israel

A polarização de discursos e posições marca de forma determinante os acontecimento do século 21. O mundo globalizado e influenciado pelas redes sociais tem grande contribuição para este fenômeno. Este é um fato dado e com o qual todos lidamos diariamente. Na disputa de narrativas que envolve conflitos geopolíticos não é diferente, muito pelo contrário. E, evidentemente, esta característica de nosso tempo marca também o conflito entre Ucrânia e Rússia.

E neste ponto é sempre importante entender as origens da disputa entre os países e como as relações entre ambos marcam também a construção dessas narrativas. As Relações Internacionais não permitem –ou não deveriam permitir– certos maniqueísmos. E, depois que já escrevi textos sobre o projeto russo (e como seu presidente “para sempre” Vladimir Putin entende o lugar de seu país no mundo), é importante também entender o lado ucraniano. Neste caso, os dilemas que a sociedade civil e seus representantes políticos enfrentam. Na Ucrânia, a proximidade e o distanciamento em relação a Moscou ocupam lugar central no debate sobre a própria identidade.

E sobre isso é preciso recuar no tempo, até os eventos que resultaram no clímax do novo nacionalismo ucraniano, em especial a chamada Revolução Maidan ocorrida em fevereiro de 2014. Neste evento, a Ucrânia ocupou o centro da mesma disputa em curso neste momento entre Rússia e Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) -ou em termos mais amplos, a disputa entre a Rússia e o Ocidente.

Depois de um processo eleitoral considerado justo pelos observadores internacionais em 2010, Viktor Yanukovych assumiu a presidência da Ucrânia. No entanto, já no comando do país, seu governo passou a ser acusado de autoritarismo e corrupção disseminada. No jogo político e identitário, ele também mantinha relação próxima à Rússia. Como traço permanente da divisão interna ucraniana, o leste do país era favorável a Moscou, enquanto o centro e o oeste buscavam aproximação à Europa -este pêndulo que ora se aproxima dos europeus, ora dos russos também está presente nos debates internos (agora, inclusive).

No entanto, apesar de gestos importantes e alianças com Putin, Yanukovych manteve seus passos com o propósito de buscar adesão à UE (União Europeia), assim como continuou a negociar com instituições multilaterais importantes do Ocidente, como o FMI (Fundo Monetário Internacional).

Em 2013, o então presidente ucraniano precisava se decidir: aceitar as ofertas do Ocidente -que incluíam o empréstimo do FMI e um acordo de associação à UE- ou manter a proximidade com a Rússia. Naquele momento, os russos ofereciam um empréstimo ao mesmo tempo em que ameaçavam as relações comerciais com os ucranianos. A situação de tensão sobre Yanukovych alcançou seu ponto máximo quando ele fez sua escolha, em novembro de 2013, renegando a oferta ocidental. Yanukovych selava então o seu destino político e pessoal.

Para justificar a escolha, ele dizia que não poderia sacrificar o comércio com a Rússia. Também argumentava que a oferta ocidental era inferior ao que precisava para elevar a economia do país ao padrão europeu. O então presidente ucraniano alegava que eram necessários 20 bilhões de euros por ano; a UE havia oferecido 610 milhões de euros.

Os protestos contra a decisão do presidente tomavam forma e ganhavam força na Praça Maidan (Praça da Independência), em Kiev, capital do país. De um lado, manifestações contra a corrupção do governo e contra a “Família”, como era conhecido o grupo de aliados ao presidente, então acusado de enriquecimento desproporcional durante o mandato. No centro do escânadalo e das acusações estava o filho de Viktor Yanukovych, Oleksandr Yanukovych. Antes de o pai assumir a Presidência, ele trabalhava como dentista. Em 2013, sua fortuna pessoal era estimada em US$ 133 milhões.

Enquanto isso, a violência aumentava na Praça Maidan. O auge dos confrontos aconteceu em fevereiro de 2014. No dia 20 daquele mês, mais de 100 pessoas foram mortas pela repressão quando a polícia abriu fogo contra as barricadas onde se encontravam os manifestantes. No dia 22, a chamada revolução foi consumada com a deposição e a fuga do presidente Yanukovych. A versão russa da mesma história é que toda esta linha de acontecimentos se tratou de um golpe que contou com o apoio das potências ocidentais.

Mas, como escrevi no começo deste texto, é importante ter olhar mais apurado sobre esses eventos complexos. Se por um lado as razões que levaram aos protestos são mais ou menos claras, é preciso verificar com atenção quem eram os manifestantes que lideravam os confrontos contra a polícia.

No centro dos combates estava o partido Svoboda, de extrema direita. As ações violentas que tomaram as ruas de Kiev na ocasião foram protagonizadas pelo Setor Direito, militantes cujas origens ideológicas estão vinculdas a colaboradores ucranianos do nazismo. Antes de se chamar Svoboda, a legenda tinha o sugestivo nome de Partido Social-Nacional da Ucrânia.

Já no ano seguinte, com a realização de novas eleições e a vitória do presidente Petro Poroshenko, o governo ucraniano chegou mesmo a incorporar uma das milícias neonazistas à Guarda Nacional do país.

Não por acaso, a Ucrânia é hoje uma fonte de inspiração para movimentos e grupos de extrema direita de todo o mundo, inclusive do Brasil.

A ideia deste texto é ampliar o debate e evitar maniqueísmos, como escrevi anteriormente. Não se trata de justificar as ações de Putin. E certamente não se trata de condenar parte dos manifestantes que estiveram na Praça Maidan para protestar contra a corrupção e enriquecimento do ex-presidente Viktor Yanukovych, seus associados e familiares. Mas é importante entender que os acontecimentos de hoje não são atos isolados, mas a consequência da construção histórica de tempos de profunda complexidade.

Leia os outros textos de Henry Galsky no Correio Sabiá:

Assobio: o conteúdo deste artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Correio Sabiá, que apenas abriu este espaço para o debate de ideias. Portanto, todo o material textual e visual, bem como as informações e juízos de valor aqui contidos, são de inteira responsabilidade do(s) autor(es). Para propor um artigo ao Sabiá, entre em contato: redacao@correiosabia.com.br

Sign up for Correio Sabiá newsletters.

Stay up to date with curated collection of our top stories.

Please check your inbox and confirm. Something went wrong. Please try again.

Subscribe to join the discussion.

Please create a free account to become a member and join the discussion.

Already have an account? Sign in

Sign up for Correio Sabiá newsletters.

Stay up to date with curated collection of our top stories.

Please check your inbox and confirm. Something went wrong. Please try again.